Rui o rei na rua

Ruem as ilusões. É praticamente impossível a uma pessoa dotada de bons sentimentos manter a fidelidade canina e a veneração ao Presidente da República. Não me refiro ao grau de escolaridade desse rebanho, porque a elite econômica é majoritária dentre os que chegam à escola. Nem é obra senão das elites a sociedade desigual e abjeta de que somos parte. Queiramos ou não. A mitificação de impostores não é acontecimento marcado pelo ineditismo, nem temos sido o primeiro país a deixar-se enredar pelo discurso vazio em meio a protestos de pureza com que a história de vida contrasta. Nem será o último, a menos que estanquemos a marcha batida em direção à barbárie e criemos condições de extirpar dos círculos do poder aqueles indivíduos cuja humanidade é suposta pela aparência, e não mais. Os que desdenham da educação e da Ciência, perseguem os divergentes, impõem crescentes sacrifícios aos pobres, prestam serviços aos ricos e bajulam os que detêm o poder, embora a fraqueza que os caracteriza. Mesmo postados no degrau mais baixo de consciência, ocorre de muitas vezes tais indivíduos chegarem a posições destacadas na administração e na política dos países. Logrando iludir seus contemporâneos, não titubeiam em desafiar valores demoradamente construídos, em permanente esforço por mostrarem-se o que não são. Uma vez instalados no poder, tratam de destruir valores e sistemas, a que não escapam instituições e práticas sem as quais não teriam ido tão longe. Voltam-se contra o sistema eleitoral que lhes permitiu o voo até espaço impossível de alcançar, não fossem o engodo, a mentira e o desespero dos que, inadvertidos, deixaram-se seduzir. Sem que tenha faltado, é óbvio, aquela dose de ousadia que muitos dizem abundante nos canalhas. Mas, como se tem dito e ouvido há tempos, é possível enganar uns poucos por muito tempo ou muitos por pouco tempo. Impossível, porém, é enganar tantos por tanto tempo. Chega um dia em que a verdade se impõe e todos, não só os bobos, veem a nudez do rei.