Os números, tenho dito, uma vez apresentados permitem as mais diferentes interpretações. Tudo porque eles não trazem a substância dos fatos de que são mera representação quantitativa. Se não ajudam a deixar transparente a realidade, os números servem, no máximo, para indicar a frequência com que os fatos ocorrem, tanto quanto distorcer a realidade. Esta, ao sabor do que os interpreta. Para outra coisa não se prestam as médias e outras invenções humanas. Dependendo do sistema de crenças, preconceitos e visões de Mundo, os algarismos são juntados e organizados, abrindo enorme campo em que passam a atuar os seus intérpretes. Isso me motiva a comentar notícia sobre dificuldades encontradas pelo chamado Polo Industrial de Manaus. Tais dificuldades, alega-se, estariam comprometendo a competitividade das unidades produtivas aqui instaladas. Sempre louvados em números - e apenas neles -, os argumentos parecem esperar que todos se curvem às cifras, desdenhando da realidade que lhes fura os olhos, agride o cérebro e machuca os corações. Dois setores - termoplástico e químico - são tomados como exemplo exposto à sanha da concorrência. Neles, correspondentes a mais de 60% do faturamento em 2023,(R$ 45,3 bilhões), trabalham pouco menos de 30.000 empregados, que o eufemismo chama colaboradores. A mesma matéria jornalística informa que o faturamento permitiu pagar R$115 milhões à mão de obra e R$117 milhões de ICMS. Nada é dito a respeito de novos investimentos, nem onde eles teriam sido feitos. Não é preciso ir além das quatro operações fundamentais de Matemática, para desenhar um quadro dantesco, se a desigualdade vem à tona. E, neste caso, ela vem com transparência e agressividade capazes de indignar qualquer cidadão menos egoísta. Façamos as contas, então. Somados, os valores correspondentes ao pagamento dos "colaboradores" e o imposto pago ao Estado, teremos 0,5% do faturamento. Restam, portanto, 99,95% para as outras despesas e o lucro dos investidores - algo em torno de R$ 40 bilhões. Imaginemos, porque razoável, que metade disso se destinasse a reinvestimentos (de preferência onde tamanho lucro é produzido), teríamos a aplicação de cerca de R$ 20 bilhões. Quem sabe, o suficiente para compensar com remuneração digna os "colaboradores", sem prejuízo da remuneração do capital?! Observe-se que as despesas trabalhistas (salários, previdência etc.) - como informado, R$ 115 milhões - fazem a média de R$ 3.920,00 por "colaborador" (haja colaboração!!!), aí incluídos, obviamente, a previdência e demais direitos dos trabalhadores. O que reduz significativamente o dinheiro que entra no bolso do empregado. O que terá sido feito dos outros R$ 20 bilhões? Isso não deve interessar a ninguém, dirão os insensíveis à desigualdade. Afinal, rematarão, trata-se de lucro obtido com trabalho produtivo e gerador de empregos. Pura verdade. Não se discute, no entanto, quem enriquece graças ao trabalho desses "colaboradores", nem quanto eles recebem por isso. Muito menos se tem um olhar atento à pobreza, muita vezes em condições indignas e miseráveis, que reduzem à sobrevivência os tão dedicados e produtivos "colaboradores". Nem é preciso acrescentar o que isso tudo tem a ver com a renúncia fiscal, esta sim, promotora do crescimento que não chega a desenvolvimento. Ou seja, é o contribuinte, que também pode estar incluído dentre os colaboradores, quem financia o enriquecimento e a acumulação dos outros, abnegados amigos do próximo.
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