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Razões de nosso mal-estar

O brasileiro comum mal se reconhece nele mesmo. Por muito tempo iludido quanto à imagem de cordialidade e disposição para o entendimento, bastaram-lhe menos de quatro anos para ver-se de modo diferente. Sente-se isso, onde quer que se vá e haja pequeno grupo de pessoas. Quando há muitas e a discrição igualmente perdida dá o tom, emerge a fisionomia trágica, violenta e grosseira de que não nos sabíamos portadores. Nenhum dos escalões e estamentos sociais tem fugido a essa constatação, em grande parte resultante de certo tipo de sinceridade prevalente no mundo animal. (Refiro-me, aqui, aos animais ditos irracionais, os de cuja inferioridade somos dedos-duros contumazes). Desatentos ou ignorantes mesmo diriam estarmos vivendo dias marcados pela pandemia, como se nada se conhecesse da gripe espanhola e dos cenários que ela escancarou. Quem leu alguma das obras de João do Rio (João Paulo Emílio dos Santos Coelho Barreto, jornalista, escritor, dramaturgo, 1881-1921) jamais suspeitaria serem semelhantes a verve e o espírito vigentes, nas ruas e em todos os lugares por ele frequentados ou percorridos, se comparados ao Brasil destes trágicos tempos. O Rio de Janeiro, então sede da capital da república, experimentava obras que a transformaram em uma outra cidade, afinada com seu tempo e buscando levar adiante o que se tem chamado processo civilizatório. Hoje, quando o conhecimento científico acumulado e a tecnologia tornam mais fácil inclusive o combate a uma virulenta pandemia, constata-se quanto esses mesmos avanços não encontram abrigo em mentes avessas a tudo quanto significa conquista civilizatória. A caverna e sua escuridão são tomadas como modelo, justificando o que disse certa vez Charles Chaplin, a respeito da dissonância entre ciência e humanidade: Mais do que máquinas precisamos de humanidade.

Mais do que inteligência precisamos de afeição e doçura.

Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido.

Imagine-se, agora, a perda de afeição e de doçura, quando - e se - antes ela existiu, agravada com a escassa inteligência. As vidas perdem-se em todos os sentidos. Tanto como a têm perdido os que somam quase 670 mil, pela ação de um vírus cultivado antes na mente dos que governam, quanto os que, sobreviventes, descobrem-se exemplares de uma espécie até então desconhecida. O homem cordial desmanchado, qualquer o grau de sua aparente solidez. É isso o que mais vitima o indivíduo ao qual ainda resta uma fímbria de esperança e o desejo de postular e fazer por onde a paz, a justiça e a felicidade reinem. Que isso é possível, enquanto houver pelo menos um que o diga e defenda - sempre valerá proclama-lo e continuar caminhando. Poeticamente, como dizia Machado, porque cada um e todos juntos é que fazem o caminho!

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1 Comment


cfocus
May 20, 2022

Caro professor, excelente abordagem. Lanço um desafio: A afeição e a virtude como características da inteligência.

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