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Pranto pela Amazônia e por Manaus

João de Jesus Paes Loureiro

“Nos últimos tempos

Ando pensando

Que este país

Retrocedeu

4 ou 5 décadas(...)”

(Excerto do poema “Putrefação”.

De Charles Bukowski. Precursor

da poesia Beat nos EEUU)



É verdade, Bukowski.

Chego a pensar

que os avanços sociais

os sentimentos bons

foram varridos pelos ventos intolerantes.

E recuamos não apenas 4 ou 5 décadas.

Mas até a Idade Média.


Volto a clamar no deserto incansável

a subir os degraus da escadaria do poema:

Amazônia! Amazônia!

Quem te ama?


Não bastaram tantas mortes

na mão dos invasores d’além mar.

Tantas mortes.

Não bastaram nem bastam

tantas mortes no campo.

Tantas mortes.

Tantas mortes na vida ribeirinha.

Tantas mortes.

Tantas mortes na paz de tuas aldeias.

Tantas mortes.

Tantas mortes nos refúgios quilombolas.

Tantas mortes.

Agora são as mortes na cidade.

Mortes de homens e mulheres.

Tantas mortes de crianças.

A vida ainda em botão.

Tantas mortes para viverem apenas na saudade.


Não bastava o extermínio dos povos da floresta

desde as bárbaras invasões

dos autoproclamados civilizados.

O argumento mortífero das armas

e a caveira da morte em suas bandeiras.

O estatuto era o sangue derramado.

Escravizaram os reais donos da terra.

Na cruz crucificaram Tupã e os caruanas.

Amazônia! Amazônia!

Não bastava o abandono em que ficaste

por tanto séculos seculorum amem.

Tua riqueza retalhada

confiscada

em troncos vegetais.

Troncos humanos.

Sangrados músculos.

Coagulado látex.

A enriquecer a quem não trabalhava.

Não bastava e lei da morte na cobiça

da terra e seu tesouro mineral.

Não bastava devastarem há séculos

as vastidões sem males de tua terra

e plantarem nessa terra novos males.

Não bastavam os rios envenenados

pelos garimpos ilegais ou permitidos

matando ribeirinhos, águas e seus mitos.

Não bastava a natureza devastada

e a plantação de desertos em lugar.

Não bastava.


Não bastava Ajuricaba suicidar-se

em tua defesa.

A morte de Guaimiaba

flechas contra balas

no Forte do Castelo de Belém.

A matança de cabanos

de teus deuses

de tuas crenças.

A morte continuada

de Angelim, Chico Mendes, Doroty Stang

Padre Josino, Canuto, Paulo Fonteles

Kátia, Verônica,

de mulheres fora da estatística.

De tantos aldeados e aldeadas

invisíveis na floresta.

Não bastava.

Agora continuam mortes sem sentido

flagelando a cidade de Manaus.

Pátria de Ajuricaba e da etnia manaós.

Tanto pranto derramado.

Tanto adeuses no cais do nunca mais.


O riomar nasceu

de um olho d’água andino

no rosto da cordilheira olhando o céu.

Hoje é a imensa lágrima de Deus

rolando pelo rosto da Amazônia.

Vai encharcar o lenço azul do mar

e naufragar soluços no oceano.


Agora

feito praga do destino

o genocida Covid 19

com sua artilharia de várias cepas

e a logística ilógica do poder.

Não transfiram ao povo a culpa-crime.

A não ser para aqueles que aceitaram

aquela voz a dizer burlescamente

que é inútil usar a meia máscara

e que a Covid é apenas gripezinha.


Cadáveres empilhados como troncos

de árvores matadas na floresta.

A morte sendo o berço de crianças.

Estetoscópios de escutar a vida

passam a ouvir corações silenciando.

Missionário da vida

profissionais da saúde

com sua vida a enfrentar as mortes,

em uma terra que oxigena o ar do mundo

não tendo ar para salvar a sua gente.

Tantas mulheres e homens incansáveis

a ensopar de insônia sangue a lágrimas

sua branca vestimenta de pureza,

que lembra lírios, garças e asas dos arcanjos.

E ter a morte o preço de salvar as vidas.


Oh! Meus Irmãos de Manaus.

Meus amigos e poetas e poetas.

Meus intemporais irmãos e irmãs no verso.

Oh! Tiago de Mello, Bacellar, Elson Farias

Astride Cabral, Aníbal Beça, Aldísio

Márcio Sousa, Tenório, Milton Hatoum

Renan, Jorge Tufic, Neiza, Marilene,

Marilza, Totônio, Isaac, Zemaria

Seráfico, Graça, Dori, José Maria livreiro.

O que pode a poesia contra essa tragédia?

Talvez não possa nada.

O seu poder não impera em mundo de aparências.

Desconhece cotação na bolsa de valores.


Os invisíveis relâmpagos poéticos

Iluminam

a caminhada verbal deste poema.

A poesia tem o poder de outros poderes.

Seu poder

é celebrar a vida

a amizade a esperança e a utopia.

É celebrar o amor.

É garantir-nos o direito de sonhar.


Este poema

é meu coração em versos palpitando

para entregar a vocês

amigas e amigos de Manaus.

Ao povo da Amazônia.

Consolar as pessoas inconsoláveis nestas horas.

Oh! Manaus,

bela cunhã poranga da floresta.

Recebe este poema

coroa de saudade aos que se foram.

Confiança na vida aos que ficaram.

Uma flecha de esperança no arco da utopia.

E a certeza que temos de viver lutando

por essa terra sem males.

Pátria do amor e da poesia.

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1 Comment


professoralcimar
Feb 02, 2021

J.J. Paes Loureiro transforma letras em flechas nas mãos de um fiel atalaia da Hileia.

Suas intervenções poéticas articulam uma resistência cabana contra os envenenadores da terra, dos rios e da vida diversa e sociodiversa. Quem mata o rio mata o mito. É possível nascer mito de rios envenenados?

Degradada pela irracionalidade mitômana e metódica de patriotários lesa-pátria e

lesa-natureza, a Amazônia fenece asfixiada pelo ar tanático que emana das usinas do capital. Despossuída dos seus povos originários, da rede tecida de rios,

furos e igarapés, da vastidão de seu verde diverso e floral e de sua incontável fauna, a Amazônia restará como um nome vazio e falto de conteúdo ontológico.

José Alcimar de Oliveira / Filosofia / UFAM

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