Palheiro sem agulha
A sabedoria popular criou a imagem de uma agulha enredada em um palheiro, para expressar a dificuldade de encontrar as coisas. A expressão se presta, portanto, à observação da incompatibilidade entre elementos, tornando-os absolutamente impossíveis de convivência. Impossível encontrar frequência e universalidade no sol da meia-noite, salvo a aurora boreal, por isso mesmo espetáculo deveras destacado. Não sei se há lua brilhando ao meio-dia. Episódio recente põe em evidência a impossível admissão de que um dia encontraremos alguma agulha perdida no emaranhado de palhas, onde quer que esteja este. Exatamente no dia em que o País celebra a Consciência Negra, seguranças de um supermercado, em Porto Alegre, mataram um homem negro. O fato em si tem a ver com circunstância que facilita sua compreensão. Naquela cidade o dia não é festejado, não sendo feriado, também. O que mais choca, no entanto, é a reação do vice-Presidente da República, nascido naquele Estado. Segundo ele, tanto quanto a Amazônia não vem sendo sistematicamente queimada, não há racismo no Brasil, país de onde ele é o vice-Presidente da República. Vez por outra sendo admitido como um moderado ou pessoa com visão de mundo mais aberta que a da maioria dos seus pares no governo, o general Mourão não perde a oportunidade de destacar sua improvável discordância do que ocorre no Brasil de hoje. Ao fim e ao cabo (quem sabe o que subirá num jipe para fechar o STF), não é aguda sua percepção dos fenômenos sociais e dos que afetam diretamente os brasileiros. Não sendo agulha, ajusta-se bem à posição em que se encontra.