Os pássaros e o poeta

Não havia lágrimas
nos olhos
por isso chorei
por dentro
agarrado à rede protetora
o bico parecia ter-se
endurecido
nada havia a bicar
as penas perdiam a cor
patinhas enrodilhadas
nos fios finos e
firmes
mal diziam daquela
morte inesperada
nenhuma jabuticaba
das muitas que o
bichinho alado
imaginara (!) ter colhidas
quantos como ele
não conseguem chegar
às suas jabuticabas
quando a fartura
é consumida em salões
rodeados por jardins
enjabuticabados?
não foi o vírus
quem – e que – o
terá matado
o egoísmo talvez
travestido de certo amor
pela fruta
íntima do caule
retorcido
com apego quase sem
prática
no arvoredo que
deveria unir
os homens
senti-me chorando
não consegui evitar
o que os olhos me
negavam
a água escassa nos pés
da planta
jorrava dentro de mim
e frutificava lembranças
redivivas
o curió narrador
itinerante
a buscar jabuticabas
onde elas não florescem
a janela do poeta
olhos abertos a todas
as jabuticabas do mundo...
não era o caso
Aqueles olhinhos
inexpressivos
eloquentes em sua
mais completa
mudez
a surpresa da colheita
invertida
eu
sem uma só lágrima
para verter
sabendo que de nada
adiantaria
o passarinho morto
- curió sei que não era
nem o sedutor uirapuru
que com seu canto
canta toda vida
leva o poeta em
suas asas esmaecidas
adverte os perigos de
uma rede
como tantas
longe e perto da
Verdade
a nos dizer
da beleza
toda vida
da morte e de sua
eternidade.