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O uso dos números

O reconhecido bom-humor de Delfim Netto levou-o certa vez a contar uma história interessante, a respeito da Matemática. Aficionado do estudo quantitativo e das contas, o economista mostrou à plateia que o ouvia com a atenção merecida os riscos de apostarmos na veracidade dos números. Em si mesmos, eles quase nada podem dizer. O cérebro humano, porém, tem razões que a própria Matemática ignora. Por isso, atribui aos algarismos importância e significado diversos, segundo muitas variáveis – que talvez fosse melhor dizer interesses. Muito por que esses significados correspondam ao ponto de vista de quem observa o objeto. Muitas vezes, por qualidades (ou a falta delas) dos que tentam explicar os fenômenos observados. Volto ao Delfim, o que interessa neste relato. Exemplificava o contador que se fez economista: se uma pessoa estiver com os pés perto de uma fogueira e a cabeça em um balde d’agua gelada e tomarmos sua temperatura, certamente identificaremos uma das inconveniências e inexatidões das médias aritméticas. No entanto, as médias (aritmética e geométrica) talvez sejam as medidas mais usadas da Estatística. Por dá cá aquela palha, usa-se sobretudo a primeira e, sobre ela, elaboram-se teses, conclusões, juízos finais que – em número extraordinário – acabam por julgar-se como a expressão da verdade. Ora, não seria absurdo imaginar que o indivíduo nas condições acima descritas (os pés próximos do fogo, a cabeça em contato com baixíssima temperatura) teria temperatura média de 37 graus. Esse seria o resultado da soma das temperaturas registradas (os pés próximos dos 80 graus e a cabeça com -4 graus centígrados). Não importa que estivesse morto ou ameaçado de morrer. A conta contada pelo ex-ministro da ditadura e subscritor do AI-5 vem-me à lembrança, quando leio os jornais e percebo viés comprometedor da verdade, quando pretensos analistas mostram as tendências eleitorais e as probabilidades de cada contendor, nas próximas eleições. Dou o exemplo: Lula teria enorme diferença de seu principal opositor, no Nordeste. Na sua região de nascimento, o ex-Presidente teria muito mais que a metade da preferência dos eleitores. Na região Sul, ao contrário, a vantagem estaria com o candidato à reeleição. O mesmo viés ocorre, relativamente às faixas etárias. Os mais velhos tendem a preferir o opositor de Lula. Ora, dizer apenas isso, nos casos aqui apresentados, afinal não diz nada. Se não houver, ao mesmo tempo em que se indicam esses percentuais, a ponderação de outro importante fator – qual a parcela do universo (o eleitorado, portanto) em que tais números se revelam -, os cálculos não são apenas parciais, mas escondem mais que descrevem a realidade. Talvez por isso, os matemáticos inventaram a média ponderada. Como fazem as escolas, ao atribuir pesos diferentes às notas dos alunos. Os números, portanto, não contêm nenhuma verdade em si mesmos. São somente instrumentos de que nos valemos para quantificar as coisas. Na Política, como na Vida.


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