O que basta
As dezenas de pedidos de impeachment contra o Presidente Jair Bolsonaro e a recusa de Rodrigo Mais em instaurar o necessário processo dão margem a várias interpretações. Muitas baseadas apenas no grau de simpatia ou hostilidade dos observadores. Vai-se desde aqueles que negam fundamentação jurídica suficiente, até os que rejeitam peremptoriamente a necessidade dessa exigência mais que legal, constitucional. No espaço do meio há os que temem a substituição fazer-se, se o impeachment, com a substituição por um general. Ódio gratuito às forças armadas, nada mais que isso. Outros alegam a inoportunidade do processo de impedimento, em momento que deveria ser integralmente dedicado ao combate à covid-19.
Devem ser compreendidas as análises distantes do ódio ou do amor que o analista alimente contra os protagonistas da trágica cena – nas ruas, nos hospitais e suas UTIs e nas Casas do Parlamento. É tão amplo assim o palco de nossa tragédia. Como é grande a amplitude das interpretações.
Estranha-se, porém, a série de pronunciamentos cada vez menos frequentes do Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Nos últimos dias ele deu para ignorar o papel eminente e essencialmente político do poder que ele preside. É lá, sim, que devem desembocar todos os problemas da sociedade, porque é de lá que sai o regramento da vida social. E nenhum legislativo que possa assim ser chamado tem o direito de alhear-se das mais prementes necessidades da população. Rodrigo Maia, entretanto, tem-se manifestado de forma no mínimo evasiva. Em alguns momentos mostra-se avesso à função principal da Câmara, dizendo indesejável a politização que vê nos requerimentos adormecidos sobre sua mesa. Gavetas, quem sabe?
Usar a pandemia e os trágicos efeitos que ela traz, para justificar a omissão em pautar a apreciação da matéria equivale a renunciar ao papel que ao Congresso está reservado. O pretexto de que isso poderia prejudicar o combate ao coronavírus é inaceitável. Primeiro, porque nenhum dos parlamentares frequenta os hospitais e as unidades públicas onde os profissionais da saúde põem a própria vida em risco. Depois, porque o congelamento de investimentos em saúde teve a anuência daquele poder, quando Temer acelerou o processo de desmonte da administração pública brasileira. Finalmente, uma terceira razão, talvez a mais forte: o Legislativo existe como local de debate político, embora a escassa vocação de muitos de seus membros (que não sejam a maioria!) para desempenhar a contento seu papel institucional.
Aos que se sentirão incomodados com a presença de um general, na eventualidade do afastamento de Bolsonaro, lembro que é essa a determinação constitucional. A Carta Magna também garante a todos os cidadãos o direito de fiscalizar cada ato do Poder Executivo e ao Poder Legislativo produzir leis que evitem qualquer arrojo autoritário ou desrespeitoso à república democrática de Direito. É quanto basta!