O estado da União
- Professor Seráfico
- 9 de fev. de 2023
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Pela própria natureza do ato, não se fosse esperar do Presidente norte-americano um discurso muito diferente do que ele pronunciou, na última terça-feira, diante das duas casas do Parlamento de seu país. Nem os analistas, capacitados ou apenas aspirantes a essa condição, deixaram de dar seu pitaco. Como eu mesmo a dou agora. Há quase unanimidade, pelo menos dentre os que li e ouvi, quanto a ter sido aquele o momento inaugural da campanha eleitoral de 2024, em que Joe Biden postulará a renovação de seu mandato. Também se aproxima a avaliação dos comentaristas, em relação ao conteúdo do discurso. Não falta quem o tenha visto como a revelação das preocupações presidenciais, voltadas mais para o público interno (os eleitores, claro!), que para os grandes temas internacionais. Só de raspão, e com poucas palavras, o democrata citou a Rússia, a China, a Venezuela, Cuba e a Nicarágua. Também ficou evidente a tendência populista do Presidente da nação mais rica e mais belicosa do Mundo, a despeito de esse ser vício geralmente atribuído às consideradas republiquetas de banana. Para enfeitar, ainda que de maneira mórbida, o auditório, os convidados especiais foram os pais de Tyre Nichols, que a polícia norte-americana matou por uma simples infração de trânsito, a embaixadora da Ucrânia nos Estados Unidos da América do Norte e representantes de outros setores da sociedade norte-americana. Jamais se esperaria faltarem trabalhadores e veteranos no rol dos homenageados. Estes também estavam lá. A permanente disposição de aplaudir de pé passagens importantes do discurso presidencial não motivou apenas os correligionários de Biden. Os republicanos também o fizeram, não se sabe com que grau de adesão às palavras e propostas do opositor. Somente em um momento o fervor republicano pareceu esmaecido: quando o orador se referiu à obrigação de os ricos contribuírem mais que os outros para a arrecadação do País. Nesse ponto, as palavras foram eloquentes e aparentemente sinceras. O ocupante da Casa Branca disse, sem mesuras ou eufemismos, que capitalismo sem competição é extorsão. Embora haja exagero se se disser que isso mudará muita coisa, fazendo de Biden o ponto de inflexão do capitalismo para um sistema econômico menos injusto e predatório, tantos são os absurdos característicos destes tempos, que a hipótese não pode ser totalmente descartada. Neste caso, porque o orador não escondeu ser fiel ao capitalismo, mas achar incompreensível que os seiscentos mil biliardários que se transformaram em um milhão deles ofereçam aos cofres públicos contribuição menor que a do resto dos contribuintes. Seria um bom começo, se desejamos alimentar esperanças felizmente tão próximas da utopia. Esta, presente desde o primeiro desenho do helicóptero feito por Leonardo da Vinci. E, não custa lembrar, meio de transporte que corta os céus de Tóquio, São Paulo e de Nova Iorque, para ficar apenas no exemplo mais atual da desigualdade de que o capitalismo se alimenta. Impossível esquecer também o que lembrou Biden sobre a democracia, sem a qual quase nada pode ser feito. Como conciliar democracia com capitalismo é fórmula que ele fica a dever.
O capitalismo é um parasita da democracia e, como rotineiramente ocorre, vai acabar debilitando-a, incapacitando-a até que alguma medicação seja administrada.