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O crime-saci

A rigor, seria estranho ainda haver alguma coisa, situação ou pessoa que me surpreendesse, seja lá por qual razão. As quase oito décadas vividas não me dão o direito de ignorar o que já passou e passa diante do meu nariz, toda hora, todo dia, em qualquer lugar. Duvido, porém, que todos percamos de todo a inocência. Por conta disso acabaríamos nos tornando absolutamente céticos. Cínicos, no limite. Há e sempre haverá aquelas pessoas nas quais, muitas vezes sem razão aparente, depositamos alguma confiança. Talvez porque tenham sabido ao longo de sua trajetória esconder o que as comprometeria face ao círculo de amigos, mais chegados uns que os outros, mas amigos de alguma forma e em algum grau de amizade. O fato é que me estarrecem (!) algumas análises, fundadas em boa fé que não se poderia com justiça atribuir a quem participa do círculo de negócios tão viciado como o deste país pandemoniado. A euforia mal ocultada transparece em comentários acerca dos resultados financeiros para alguns setores da economia. É como se, escolhidos pelos deuses, esses setores estivessem certos de que seus protagonistas são infensos a tudo e a todos, mesmo ao vírus que levou à sepultura mais de 190 mil pessoas. Não é só isso, contudo, o que me aturde e deixa perplexo. Porque a condenação à corrupção deslavada (a não ser quanto aos paraísos fiscais para onde mandam o dinheiro sujo) é seletiva e cuidadosa. Exige-se a demissão de servidores públicos que venderam uma informação, um despacho, uma sentença judicial, tanto quanto punição de médicos, advogados e outros profissionais, nem sempre devidamente punidos pelos respectivos conselhos. Também os sacerdotes não têm escapado da ira dos falsos moralistas. Depende apenas a que credo se dedicam, porque os há infensos a qualquer forma de justiça. Pois bem; quanto à corrupção, os comentários desses falsos catões gera o crime de corrupção capenga, que se apoia em um só pé. Uma espécie de saci do crime. O corruptor passa ao largo, sob o beneplácito, quem sabe até o aplauso, dos seus pares. Não sei de ninguém que, mesmo condenado pelo crime de corrupção ativa, tenha sido excluído de qualquer das entidades profissionais a que se vincula. Se houver algum, por favor, identifiquem-no, para que eu não cometa injustiça.

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