top of page
Foto do escritorProfessor Seráfico

O CONHECIMENTO PODE GERAR ANGÚSTIA, MAS A IGNORÂNCIA MATA E O DESERTO AVANÇA



José Alcimar de Oliveira *


O meu povo perece por falta de conhecimento (Os 4,6). Quomodo potest Satanas Satanam eicere? Et si regnum in se dividatur, non potest stare regnum illud (Mc 3,23-24).


01. Tales de Mileto, que viveu há mais de dois e meio milênios, e o primeiro teólogo do mundo ocidental, registra num de seus sábios fragmentos que tudo está tomado pelos deuses. Para ele o universo é um sistema de forças anímicas. Comparava a terra a um navio a flutuar sobre um mundo de águas. Tales é um Espinosa da Hélade. Para ele a água é divina. É o princípio de tudo. Tales, Heráclito (com seu fogo dialético, não o que hoje queima a Amazônia) e Espinosa são cidadãos da Amazônia.

02. A terra é um sistema de vida não mecanicista, não dicotômico, ondo tudo está em interação dialética. Num possível diálogo com Descartes (o filósofo do cogito), Tales, Heráclito e Espinosa teriam muitos reparos a fazer à teoria cartesiana, ainda que estivessem de acordo com a ideia da partilha simétrica do bom senso. Também de acordo com sua bela e ecológica comparação da Filosofia a uma frondosa árvore, com raízes na metafisica, o tronco na física e os galhos na diversidade das ciências.

03. Não obstante as diferenças de leitura do mundo, o que une estas quatro colunas do pensamento é a busca honesta do conhecimento. Cada um foi iluminista a seu tempo. Quanto ao título de cidadão da Amazônia, concordaria com sua concessão a Descartes desde que também assinassem a proposição Tales (falei Tales), Heráclito e Espinosa. A quem preferir o ódio ao conhecimento e optar por viver na bolha, abstenha-se de palpitar, porque conhecimento é informação que passou pelo crivo epistemológico.

04. Neste sábado, 05 de junho de 2021, comemorou-se o Dia Mundial da Ecologia e do Meio Ambiente. Não dispomos de outro meio ambiente para viver senão a Mãe Terra, a nossa Casa Comunal ou, na língua quíchua, a Pachamama. Palavras femininas. A Terra que nos alimenta e nos protege é por nós agredida e, em escala global, agredida pelo predatório e insustentável padrão de produção e consumo requerido pelo sistema do capital. O ser social não pensa nem age como a consciência da Casa Comunal.

05. Na liturgia deste domingo Jesus de Nazaré indica a tensão dialética entre o simbólico e o diabólico. Sendo o devir dialético do mundo do ser social perpassado por um e por outro, é necessário manter vigilância epistêmica para evitar uma hermenêutica maniqueísta que projeta bem e mal como realidades absolutas e sem comensurabilidade. O fascismo cognitivo é hábil na feitura dessa simplificação. Edgar Morin chama a isso de barbárie do pensamento. Por isso propõe a complexidade como civilização das ideias.

06. O sistema do capital reina porque materializa em escala crescente a analítica do projeto cartesiano. Mas jamais incriminaria Descartes por, de forma embrionária, ter apostado nesse paradigma cujo controle lhe escapou. O que não faria de modo algum com o positivismo jovial e decadente (decadente porque seu ritmo é intrinsecamente antivida) que maneja os destinos da economia global. Aí voltaria ao que disse Jesus de Nazaré: “Como pode Satanás expulsar a Satanás? Como pode o capital ser contra o capital?

07. Por fim, recorro à “teologia jagunça” (Frei Bento Domingues) de Riobaldo: “Todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é salvação-da-alma.... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. (...) bebo água de todo rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubin, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombra me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar – o tempo todo. Muita gente não me aprova. Acham que lei de Deus é privilégios, invariável (...) Viver é muito perigoso (...)”. Grande sertão: veredas, Grande rio: furos. Rosa, o teólogo do Brasil profundo.

__________________________________________________________________________________

* José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, cultor do Grande Rosa, segundo vice-presidente da ADUA – Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões e Jaguaribe. Na Manaus pandêmica deste 06 de junho de 2021.

1 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Que o público o saiba

Na terça-feira da semana passada, foram os pagers a explodir. Na quarta-feira, os walkie-talkies. O Sul do Líbano foi bombardeado na...

Comments


bottom of page