O barro de que somos feitos
- Professor Seráfico

- 21 de jul.
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Num certo sentido contrariando a tese criacionista, há a indicação do barro como o material de que são feitos todos os humanos. Uma e outra das duas hipóteses, porém, juntas opõem-se ao que concluiu Charles Darwin. O que não basta para reduzir o significado da expressão, nem invalidar o simbolismo que a envolve, quando afirmamos serem (ou não serem) todos os homens feitos do mesmo barro. Avultam, no conceito, dois aspectos fundamentais, que as palavras molde e transformação parecem traduzir com propriedade. Sem articulação entre as partes constituintes, impossível reproduzir certos objetos. Os seres humanos dentre eles. Relacionado aos quatro elementos (água, terra, ar e fogo), o barro amalgama-os e dá sentido ao seu produto. Que, dotado de vontade e razão, experimenta ao longo da vida permanente e irrecusável transformação. Ao tempo em que avança, o ser vivo dito superior sempre sabe que o devir chegará. A tecnologia promete adiar a hora em que virá o suspiro final. Anuncia até mesmo a possibilidade de esse momento resultar da vontade da criatura. Aparentemente desimportantes, tais considerações ajudam-nos a compreender o mundo em que vivemos e interpretar pensamentos, palavras, gestos e ações humanas, onde quer que elas se apresentem. Sem que se percam de vista certos conceitos, alguns a preço alto formulados e adquiridos. O caráter contraditório, e plausível, que reside, ostensiva ou ocultamente, no íntimo de cada indivíduo. Vem-me a inspiração deste comentário, entrevista concedida pelo professor José Manuel Durão Barroso, ex-Primeiro Ministro de Portugal (2002-2004), depois Presidente da Comissão Europeia (2004-2014). Destacado político lusitano, Durão Barroso é filho de pai nascido no Brasil, onde têm residência membros de sua família. Jurista com doutorado em Ciências Sociais, desde estudante tem intensa participação na política de seu país. Foi líder do Movimento Estudantil Marxista-Leninista e do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP). Hoje, a entrevista o diz, Durão Barroso advoga o fortalecimento da Europa, não pela restauração do estado de bem-estar social que o capitalismo financeiro destruiu. Ao contrário, ele deseja o rearmamento do continente, como o propuseram todos os governantes americanos do pós-guerra. Não era diferente o propósito da OTAN. Os resultados estão à mostra de todos, sendo lícito admitir serem a invasão russa da Ucrânia, o genocídio dos palestinos em Gaza, o assassinato de Sadan Hussein e Muhammar Kadaffi, além de outros episódios ignominiosos, exemplares. Mais Durão que Barroso, o ex-Primeiro Ministro de Portugal hoje ocupa o posto de Diretor não-Executivo do Banco Goldman Sachs International. É compreensível, mesmo se não louvável, que ele tenha sintetizado seu pensamento em frase reiterada pelos amigos da guerra: si vis pacem, para bellum. O que equivale a se queres a paz, prepara-te para a guerra. Derreteu-se o barro, prevaleceu a dureza.

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