Que outro nome se pode dar à principal causa da tragédia que, anualmente, mata e desaloja tanta gente, nas áreas de risco espalhadas por todo o Brasil? Antes, foi em Brumadinho, em Petrópolis, Manaus, Rio de Janeiro, agora na região litorânea do Norte de São Paulo. Claro, muitos outros e mais pesados adjetivos poderiam ser mencionados, mas, por caridade apenas, diremos tratar-se de uma das circunstâncias do crime culposo. Não há imperícia, porque sabemos impossível o erro dos que governam. Eles apenas escolhem os beneficiários de suas decisões; as vítimas, também. E com que competência o fazem! Igualmente, impossível considerar imprudência o que é antecedido de cálculos, contas feitas com os olhos postos nas polpudas verbas públicas, quem sabe muitas vezes disputadas literalmente aos tapas? A negligência, fruto das prioridades e das escolhas que as sucedem, é a mesma que sepultou quase 700 mil seres humanos, infectados pela covid-19. Neste caso, é certo, atraindo para junto dela propósitos, políticas, cumplicidade ativa ou omissiva, preconceitos, desvios de caráter e - sejamos francos - interesses que um século de sigilo não bastaram para sepultar junto com os mortos. Não há um só brasileiro que ignore as condições de habitabilidade de grande parte da população, em todos - eu me aproximei de escrever quase, mas seria inadequado, quando o Estado mais rico da Federação está em foco, é a bola da vez. Nas cidades, capitais ou não, os pobres pagam o desinteresse dos endinheirados e seus porta-vozes, servos e cúmplices, e se expõem periodicamente ao drama que agora se exibe no litoral paulista. Pior que tudo, envolvendo fenômenos naturais esperados, para cujo conhecimento e capacidade de previsão têm concorrido os maltratados cientistas brasileiros. A seca do Nordeste, o estio da região Sul, as enchentes da Amazônia, o desmoronamento reiterado nas cidades do Leste, o aquecimento do Cerrado - nada disso constitui imprevisto que não se possa evitar. Nem por isso se tem protegido a vida dos que ocupam esses lugares de cultivo da morte, transformando-os em viveiros (quanta ironia!) de experiência macabra, a que alguns - diga-se sem medo de errar - simplesmente dão de ombros. Em torno da tragédia, porém, sempre aparecem demonstrações de solidariedade e generosidade, logo e fartamente divulgadas. Os carrascos egoístas de ontem (e de todo dia) fazendo-se abnegados beneméritos. Os que ao longo da vida apropriam-se da dor alheia por alguns dias, certos de que permanecerão cultivando o macabro gosto que gerou a situação a que acorrem, portadores da máscara que desaba na hora e na quarta-feira de cinzas. Para que se carnaval acabe de fato, bastaria que os responsáveis políticos olhassem para os habitantes dessas áreas de risco com a presteza com que abrem as burras públicas à voracidade dos investidores na miséria e na fome - sempre dos outros.
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