A guerra da Argélia, o preço pago pelos patriotas argelinos para libertar-se do domínio francês ensejou um dos mais belos poemas de autor paraense. Refiro-me à Canção do guerrilheiro torturado, que Ruy Barata escreveu tocado pelo mesmo sentimento que animava os bravos resistentes africanos. Estes e seus irmãos d’África ainda hoje sujeitos às atrocidades do passado, ampliadas pelas facilidades que a tecnologia provê, e espalhados por todos os continentes. À época, a Igreja já se tinha dado conta da inspiração e do conteúdo anticristão dos colonizadores. Daí o poeta ter usado como epígrafe notícia extraída de jornais internacionais, em que era informado que os paraquedistas franceses, comandados pelo general Salan torturaram os guerrilheiros argelinos, capturados pelas forças de ocupação, logo às primeiras horas do dia. Alarmado com essa notícia, o Cardeal de Paris, em recente pastoral, recomendou aos católicos engajados no Exército Francês que se recusem, em nome dos princípios cristãos, a tomar parte nessas sessões de brutalidade e sadismo.
Construído em quatro estrofes de dezesseis versos e quatro de oito versos, como estribilho, o poema constitui-se em um dos mais vigorosos brados de revolta contra a opressão. Não será totalmente transcrito aqui, porque melhor é lê-lo em livro do próprio autor, ou em obra publicada por Alfredo Oliveira, em Belém do Pará (Paranatinga, Cultural CEJUP, 2ª edição, 1990, p.141).
A pequena amostra abaixo traz o estribilho inicial e a primeira estrofe de dezesseis versos:
Ai, general De Gaulle!
Ai, general Salan!
Vossos bravos me torturam
na rósea luz da manhã,
vossos heróis sem Marengo,
vossas águias sem Wagram.
Ai, general De Gaulle!
Ai, general Salan!
Paraquedista que pairas
rosa aberta em solidão,
por que nos ventos colheste
o raio da maldição?
Por que não trazes da França,
Do céu, como lembrança,
um colar de nuvens brancas,
doirados sóis em botão?
Por que não trazes a estrela,
na palma da tua mão?
Por que não pediste à lua,
o amor sem remissão?
Há uma Argélia nascendo,
Na ponta de teu ferrão
e uma França que perece
na mais negra humilhação.
Mais de cinquenta anos depois, sem vivermos na África, vemos repetirem-se fatos que trazem de volta o tempo em que o Cardeal de Paris se via forçado a recomendar aos sacerdotes cristãos o repúdio aos atos que os seguidores de Salan estimulam e aplaudem na antes chamada Terra da Santa Cruz. Não terá bastado aos Salan daqui a quantidade de cruzes e covas dos cemitérios cheios de vítimas da covid-19, em grane medida produto de sua ação ou omissão.
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