top of page

Mortos não precisam de casas

Foto do escritor: Professor SeráficoProfessor Seráfico

Mortos não precisam de casas


Boa parte da legislação brasileira leva alguns ufanistas a festejar nossa criatividade e o suposto espírito avançado de que seríamos dotados. São menos do que se poderia esperar os atentos às razões pelas quais somos levados a essa falsa impressão. É exatamente o contrário que deveríamos pensar. As supostas leis de defesa do consumidor resultam da exploração absurda de que são vítimas os consumidores e usuários de serviços. O mesmo ocorre com as mulheres, que sem a lei Maria da Penha seriam ainda mais violentadas. Em suma: não é porque sejamos virtuosos ou voltados para o bem comum que somos levados a avançar. O contrário é o que tem justificado a produção legislativa brasileira. O absurdo nível de desigualdade e a qualidade das relações entre os ricos e os pobres é que têm servido de base à elaboração de leis entre nós. Uma espécie de inspiração de políticas públicas que, negando-se a reduzir a desigualdade, inventam mecanismos para escondê-la. Tanto, que a proteção dos trabalhadores (para ficar apenas nesse exemplo) foi perdendo o vigor, até o ponto a que chegamos hoje. Ainda na primeira metade do século XX, a Consolidação das Leis do Trabalho, a odiada CLT, assegurava direitos que as elites econômicas brasileiras se negavam a satisfazer. Bastou, porém, que governos conservadores se instalassem, para ver esses mesmos direitos corroídos, reduzidos, desaparecidos alguns. Hoje, é de absoluta precariedade a prestação de serviços aos detentores do capital. O dinheiro, além de comprar o suor e o sangue dos que trabalham, ainda avilta o preço e as condições em que essa operação de compra e venda se realiza. O mais recente exemplo dessa índole cruel e desumana pode-se ver em matéria que tramita no Congresso Nacional, relativamente à garantia de pagamento de financiamentos aos rentistas. Refiro-me à perda do único imóvel que serve de residência aos devedores por alguma razão inadimplentes. Por enquanto, tal bem é impenhorável. Significa dizer que o devedor nessas condições não verá o único bem que lhe serve de lar sujeito à transferência de propriedade para o credor. Este, sabe-se, tenha ou não sua fortuna construída por benefícios advindos do dinheiro público, de práticas ofensivas à legislação ou de modo irreprovável. É dono do dinheiro, ponto! Se precisássemos de mais um só exemplo para revelar os trágicos destinos que inspiram boa parte dos legisladores com assento no Congresso Nacional, bastaria esse para caracterizar a qualidade dos compromissos deles com as elites exploradoras e as intenções de que são porta-vozes ou autênticos portadores. Talvez seus ouvidos sejam mais atentos que os de outros, levando-os a interpretar com maior e transparente fidelidade o que dizem seus ídolos: se todos um dia morrerão, por que fazer melhor a vida deles, dos outros?

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

França e franceses

Mais uma vez vem da França o anúncio de novos avanços na História. Esta quinta-feira marca momento importante daquela sociedade, há mais...

Uso indevido

Muito do que se conhece dos povos mais antigos é devido à tradição oral e a outras formas de registro da realidade de então. Avulta nesse...

Comentarios


bottom of page