O debate cm torno do PL-490, com que se pretende fazer avançar o processo de extermínio das populações originárias do Brasil, tem sido chamado de marco temporal. Este teria seu começo em 05 de outubro de 1988, quando promulgada a Constituição que Ulysses Guimarães, distraidamente, julgou cidadã. Agora, é como se antes de 22 de abril de 1500 neste imenso pedaço do Novo Mundo não houvesse mais que selva e bicho. Esse um dos maiores pecados, não houvesse outros tantos deles, praticados pelos que desejam apagar a História e condenar-nos a um passado que teima em permanecer. Atitude e conduta dignas de remotos períodos da trajetória humana sobre a Terra, fazem renascer com vigor insuspeitado a fúria contra tudo que ao menos aparente ostentar alguma condição humana. Desde o primeiro dia que os europeus pisaram solo já ocupado por populações anteriores, não se tem assistido senão ao esbulho, à invasão e à predação de grandes porções do território da que mais tarde seria chamada República Federativa do Brasil. Não precisa ser especialista, menos ainda um sábio, para perceber o grau de degradação ambiental a que têm sido submetidas a natureza e os seres humanos por séculos humilhados, aprisionados, explorados e postos sob o jugo do invasor. Admita-se, até, que vêm do Iluminismo o sopro e a reflexão sugestivos do que se chama processo civilizatório. Daí que se torna atrasada, absolutamente anacrônica, a ideia de avançar indiscriminadamente sobre o lugar ocupado por uma pluralidade de etnias cujo papel na preservação do equilíbrio ecológico resta suficientemente comprovado. Sem comprometer a própria sobrevivência, esses povos ameaçados são os maiores responsáveis por ainda não termos chegado à situação em que se encontram numerosas populações, mundo afora. Quando o Brasil, reassumindo papel relevante no concerto das nações, ensaia desenvolver e promover políticas e ações de proteção do que ainda sobra em pé nas florestas, os congressistas brasileiros preferem associar-se aos invasores, grileiros, escravocratas, todos predadores capazes de pôr em risco o equilíbrio ecológico que a Terra - e não só o Brasil - vê ameaçado. Chama a atenção um fato muito longe de ser qualificado ocasional. Desde 2007 o Projeto de Lei frequenta gabinetes, corredores e gavetas da Câmara dos Deputados. Passados 14 anos, os parlamentares (para nosso lamentar) entendem ser urgente fixar os marcos temporões, a forma encontrada para legitimar todos os crimes cometidos contra a natureza e os naturais do lugar. Por isso, a toque de caixa, pretendem premiar os agressores dos indígenas e da terra que um dia foi só deles. É difícil construir uma sociedade digna e feliz, se a cabeça e o coração dos contemporâneos se deixaram ficar séculos atrás. Muitos deles, se vivos à época, talvez tivessem a primeira cortada nas lâminas do dr. Guillotin.
Post-sctiptum: já à noite, a Câmara aprovou o marco temporão. O novo round será travado no Senado. Sem previsão de data. O STF pode decidir antes. Na corte judicial tramita ação que discute a constitucionalidade do PL-490.
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