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LÁZARO E O SER PARA A MORTE  


José Alcimar de Oliveira*


A verdade desagradável hoje é que se não houver futuro para um movimento radical de massa, como querem eles, também não haverá futuro para a própria humanidade (István Mészáros).


               01. A morte é a condição ontológica incontornável do ser humano.  Mente para si mesmo quem não o admite.  O ser da existência humana é ser para a morte, já sentenciava Heidegger.  A morte está inscrita na vida e se morre desde o nascer. Mas a ontologia existencial de Heidegger não deve servir de pretexto ideológico para quem faz da morte um projeto de poder sobre a vida do ser, seja como indivíduo, seja como espécie. Marx via na morte a vitória da espécie sobre o indivíduo. Mas até quando, a considerar a necrocracia do sistema do capital, a espécie poderá sobreviver ao indivíduo? Além do mais, a morte de cada indivíduo, não como condição ontológica, mas antes como produto sistêmico da destrutiva ordem capitalista, não onera toda a espécie?    

               02. Se o capital, como também assinalava Marx, implica a morte das duas fontes de toda a riqueza, “a terra e o homem”, que sobrevida poderá restar à espécie humana sob o predatório modo de produção capitalista da existência?  O atual colapso ambiental, com sua visibilidade globalizada, está a desnudar a grande farsa do sistema do capital:  salvar da morte o indivíduo (da grande burguesia) à custa da morte do ser como espécie (a classe trabalhadora, no caso). É possível (e até quando?) construir o paraíso para alguns à custa do inferno para todos? Não há, mesmo no mais remoto horizonte, nenhum plano alternativo (e factível) ao mundo sublunar, como é vendido pela mentira muskiana dos projetos de colonização além-Terra.

               03. Ou a inteligência humana e seus recursos (teóricos e práticos) são orientados para salvar a vida na Terra, ou prevalecerá a barbárie já em curso. Diante do célebre dilema de Rosa Luxemburgo: socialismo ou barbárie, o irredento pensador marxista István Mészáros, cujo pessimismo da inteligência diante da distopia capitalista já condicionava sua força volitiva, limitou-se a dizer: “barbárie, se tivermos sorte – no sentido de que o extermínio da humanidade é um elemento inerente ao curso do desenvolvimento destrutivo do capital”. A característica prevalente do poder do capital é a entropia, que se alimenta da desorganização e da destruição da vida. É a direção à barbárie que orienta a marcha de seu vetor teleológico.    

               04. No plano da existência do ser social como indivíduo não há cura, a não ser a que procede do tempo, para a dor da perda de uma vida pessoal. A afirmação marxiana da morte como vitória da espécie sobre o indivíduo, embora verdadeira, não serve de consolo para ninguém, seja ateu, agnóstico ou crente. Não há remissão no imediato do acontecimento (ou mesmo no tempo remoto, conforme cada situação vivida) para quem vive a dor da morte de quem lhe é próximo ou familiar. Quem afinal chorou diante da morte do amigo Lázaro, o humano Jesus de Nazaré ou o divino Cristo da fé? Ou os dois? Não ensina a teologia cristã que o Nazareno era habitado pelas duas naturezas? Como é impossível um choro abstrato ou metafísico, se Deus de fato chorou, só poderia fazê-lo pelo rosto humano de Jesus de Nazaré. Na Bíblia há três referências explícitas de que Jesus chorou, e cada uma manifesta um sentido próprio. O choro-compaixão pela morte do amigo Lázaro, o choro-lamento sobre a cegueira de Jerusalém e o choro agônico no monte das Oliveiras.

          05. O choro-compaixão de Jesus de Nazaré diante da morte de seu grande amigo Lázaro.  Em Jo 11, 35, naquele que é o mais curto versículo bíblico, encontramos: “Jesus chorou”. Jesus chora a morte de Lázaro e igualmente chora pelos familiares e amigos entristecidos e desolados diante do acontecimento. Marta, irmã de Lázaro, que bem conhecia o quanto Jesus amava seu irmão, se dirige a Jesus e, desolada, diz: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido”. A despeito de crer na promessa da ressurreição do último dia garantida por Jesus de Nazaré, Marta está inconsolável. Embora cresse,  a promessa da ressurreição do último dia era para Marta apenas um consolo metafísico.   

               06. Cabe a pergunta: a morte como a vitória da espécie sobre o indivíduo, conforme sinaliza o texto marxiano, serve de consolo para um materialista? E tal consolo não seria mais metafísico do que materialista? Marta era humana, demasiadamente humana, e quem poderia acusá-la de egoísmo materialista por cobrar de Jesus de Nazaré a restituição da vida de seu irmão Lázaro, em corpo e alma? Se Jesus fosse um metafísico e se limitasse à compreensão abstrata do sofrimento, não teria ouvidos para o clamor de Marta. Bem o contrário. Segundo narra o evangelista, “Jesus, então, comovido em seu íntimo, veio ao sepulcro... e gritou com voz forte: ‘Lázaro, vem para fora!’”. E a vida de Lázaro foi devolvida. E houve ali muita alegria e espanto.

               07. A cada ano a celebração cristã da Páscoa como passagem da morte para a vida cede lugar à multiplicação dos corredores da morte construídos pela necrocracia do capital. O capitalismo se faz religião (Walter Benjamin) e a religião legitima e faz do altar o lugar do lucro, da acumulação e da posse a mais indecente: “E agora, vós, ó ricos, chorai e lamentai-vos por causa das desgraças que virão sobre vós! Vossas riquezas estão podres e vossas vestes devoradas pela traça” (Tg 5,1-2).  Estreita-se ano a ano, para o ser natural e para o ser social, a saída pascal que deveria conduzir à vida. Como celebrar a Páscoa num mundo que se move pela força da morte, no campo e na cidade? Ontem como hoje, ressoa o lamento de Jesus de Nazaré: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis congregar teus filhos como a galinha congrega suas crias sob as asas, mas não quisestes!” (Mt 23,37).

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*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, base da ADUA – Seção Sindical e filho do encontro dos rios Solimões (em Manacapuru – AM) e Jaguaribe (em Jaguaruana – CE). Aos 31 de março de 2024, na Páscoa.

 

 

 

 

 

 

 

 

    

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