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Juntando pontas

Foto do escritor: Professor SeráficoProfessor Seráfico

Impossível interpretar isoladamente qualquer fato histórico, se a intenção é encontrar uma descrição aproximada da realidade. Alain Touraine sabia disso, talvez mais do que outros de seus contemporâneos. Avançou tanto a probabilidade manter relações sociais imunes à geografia, desde que Marshall Mac-Luhan timbrou a expressão aldeia global. O vento que bate lá, pode bater onde quiser. As tragédias de que as enchentes do Rio Grande do Sul são exemplo dos mais contundentes, comprovam a hipótese de que falou o excepcional comunicólogo. Quem não levar em conta a complexidade, do mesmo modo neglicenciará aspecto relevante, sem a mais remota perspectiva de chegar a uma explicação minimamente razoável. Ainda agora, há pontos soltos na realidade que se vai construindo no Brasil, por força da ação do Poder Legislativo. Se a análise de uma dessas ações for contida no estreito espaço do texto ou proposta (PEC, PL etc.) respectivo, de quase nada ele servirá para esclarecer a sociedade. No entanto, dessas ações é que se vai construindo a nação que todos alegam querer forte e próspera. E, em consequência, os marcos em que dela emergerá uma sociedade próspera, menos desigual e minimamente justa. Muitos seriam os pontos e argumentos a indicar, se a interpretação aspira à condição de respeitabilidade dos que a formulam e da proximidade com a realidade interpretada. Tomem-se, porém, duas iniciativas em tramitação no Congresso Nacional, buscando enxergar os vínculos ou a inspiração que eles têm, ostensivamente ou não, em comum. O primeiro deles diz respeito à proibição da saidinha de presidiários em dias especiais, etapa que os especialistas afirmam essencial ao processo de ressocialização dos condenados. Baseado na conduta da minoria dos que, nessas ocasiões, se evadem, o PL é a típica regra feita ao revés do menor bom-senso. Sobretudo se devidamente entendida a pena como instrumento correcional, não a vingança do Estado contra o delinquente - pobre e preto, em sua maioria. Nem se precisa dizer quanto a restrição do benefício poderá operar, no fortalecimento das facções criminosas instaladas e em operação de dentro dos próprios estabelecimentos penais. Tramita, igualmente PL que versa sobre o tráfico, porte e uso de drogas ilícitas. Neste caso, as supostas intenções mergulham na mais incompreensível contradição, quando se lembra da reclamação generalizada da superlotação dos presídios brasileiros. As circunstâncias ligadas às situações que os dois PLs abordam revelam, no mínimo, visão enviesada, nada tendo a ver com os pretextos alegados. Parece haver, contudo, um fio condutor a permitir enxergar os vínculos entre um e outro dos projetos. Sem deslembrar de outros projetos, em escala estadual. Exemplos atualíssimos, o arbítrio dos policiais a respeito do registro de imagens e sons por câmeras instaladas em seu uniforme e a privatização das praias podem dizer mais do que aparentam. Quem sabe não é hora de atentar para os riscos de tornar o mercado ocupante do espaço total da sociedade, não restando a cada habitante se não admitir a superioridade da lei da oferta e da procura, entendida como norma supra constitucional ? Juntem-se as pontas, quem sabe será mais fácil entender essas e outras cositas más.

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