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Inteligência X subserviência

A idade, dizem, traz temperança e sabedoria. Traz, também, inconvenientes com os quais é difícil conviver. Um deles, o ceticismo que não desautoriza a esperança. Outro, a malícia que não entrega os idosos à ingenuidade. Se a temperança nos torna menos intolerantes, quando não sábios, ela não rejeita a presença da malícia. Sem que isso – a convivência entre tolerância e malícia – prejudique a adequada percepção dos fenômenos constituintes do entorno em que estamos todos mergulhados, qualquer seja a nossa idade. Nem sempre a malícia é benéfica, a quem a ostenta e a quem dela se torna vítima. Sem ela, porém, escorreríamos todos pelo esgoto da mais pura ingenuidade. Como se o passado só tivesse servido para nos pintar (quando não nos descobrir) os cabelos, reduzir a força de nossas pernas e causar outros danos que a Ciência pouco a pouco vai tornando menos punitivos. Leio, por exemplo, textos em que a ingenuidade põe a cara à mostra. Mesmo se o autor já não pode ser chamado um projeto de ancião. Menos ainda pode ser destituído dos títulos acadêmicos a que nem todos têm acesso. A rigor, essa é conduta muito encontradiça, sobretudo nas classes a que não falta pão à mesa, a doença não encontra obstáculos para ser combatida, a segurança de um ocaso seguro é indiscutível. Não me vem à telha uma razão ou justificativa que valha para todas as situações. Nem se a ingenuidade revelada está longe de constituir estratégia de sobrevivência e segurança, porque mostrar-se informado e atento pode levar a indesejáveis consequências. No plano individual, eis que a sociedade em geral não se beneficia dela. Às vezes, a detenção do título acadêmico se presta mais a comprometer a mensagem e a imagem de quem a emite. Mais que os outros, esse saber adquirido em escola superior acaba por tornar mais confuso o cenário. Aquela história de que informação demais perturba a mente, ao invés de deixá-la apta a entender das coisas, das gentes e do mundo/Mundo. Dizer, por exemplo, que vivemos excepcional período democrático no País, que as instituições funcionam adequada e regularmente parece-, quando muito, piada de mau gosto. Como então admitir que os ataques à democracia e a preparação de novas e sucessivas ofensas à Constituição é algo que aproveita ao regime que Winston Churchill um dia disse ser o pior dos quantos conhecia, salvos todos os demais, como completou? Como admitir a intervenção sistemática de instituições de Estado em proveito de um governo, nem sendo levada em conta a circunstância democraticíssima de o primeiro ter caráter permanente, enquanto o outro é periódico? Isso não quer dizer estarmos tratando de problema que afete um dos três poderes, tanto todos eles têm dado provas de desdém quanto ao papel que lhes cabe, em um Estado democrático de Direito. Há pecados, sim, no débito do Judiciário- e não são poucos! Nem sempre as decisões (em especial as monocráticas) tomadas aproveitam à sociedade. Nem é raro o erro proposital, para beneficiar os que lhes prestam favores. Estes, em si, excrescências inadmissíveis. Do Parlamento, o mínimo que se quer dizer já o disse – talvez com algum exagero -o ex-Presidente Lula. Maior a influência do centrão, menor a credibilidade a ser emprestada a qualquer dos seus integrantes. Hoje, talvez em maior número que os 300 picaretas a que aludiu Lula. Por tudo isso, na tragédia de erros (ou desejados acertos?) a que assistimos, ser ingênuo revela inteligência reduzida ou subserviência exacerbada.

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