Recente texto assinado pelo jurista Conrad Hübner Mendes (8 de janeiro foi contido, não derrotado), publicado na Folha de São Paulo e postado neste blog (Espaço Aberto, 12-01-2024) chama a atenção para um aspecto das relações mantidas pela sociedade brasileira com o braço armado do Estado. Talvez ele, com enorme lucidez e oportunidade, seja dos poucos - se não raros -analistas brasileiros a perceber os riscos envolvidos na forma como as lideranças brasileiras (e, em consequência, a maioria da sociedade) entendem o papel das forças armadas e os limites em que esse papel há de ser executado. A inspiração do texto de Conrad Hübner vem da observação atenta da solenidade com que foi rememorada a intentona terrorista de 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Os discursos, o aparente entusiasmo que fez muitos dos convidados aplaudir as palavras ditas pelas autoridades, a repercussão internacional da sessão solene - tudo isso não basta para assegurar a consolidação da democracia, como a análise precisa e fundamentada do jurista indica. Na verdade, ela destaca os riscos que continuamos correndo, sobretudo os que apostam em que todos são iguais perante a Lei, de que trata um dos mais importantes dispositivos da Constituição que Ulysses Guimarães promulgou, chamando-a cidadã. Os que já viveram mais de 70 anos e permanecem dando pitacos nos fatos e relações da vida nacional não têm como esquecer exemplos pouco animadores. Não é de hoje, nem pode ser vista como ocasional a frequência com que a caserna tenta impor suas verdades peculiares e seus métodos pouco democráticos. Desde a proclamação da República, se não muito antes dela, os servidores fardados e armados trouxeram para seu ambiente (para suas escolas sobretudo) a certeza de que são eles os pais da pátria. Patriotas só são eles, enquanto a todos os demais não deva ser cobrada se não a reverência e a adesão aos que dos quarteis for proclamado. Ao invés de se sentirem mais obrigados que todos os outros com a manutenção da paz e da observação das funções estritas para as quais foram criadas, as forças armadas brasileiras julgam-se tutoras da República. A controvérsia sobre o artigo 142 o diz com todas as letras. Há, na melhor e mais generosa das hipóteses, incompreensão sobre o papel, os deveres e os limites em que devem todos, do recruta ao general de 4 estrelas, pautar sua conduta. Não houvesse qualquer outra razão - e as há, às dezenas - os militares são os únicos que dispõem de armas e, parece até desnecessário dizer, todas elas adquiridas com dinheiro fornecido pelo suor dos que trabalham. Há, porém, hipótese diferente da escassa compreensão de direitos, deveres e limites. Refiro-me ao medo da maioria da sociedade, tão fácil e reiterado tem sido o tom de ameaça que recheia quase toda manifestação de um representante de qualquer das forças. Não foi à toa ou destituída de sentido a frase com que o general Arruda respondeu ao interventor Ricardo Capelli: quantas armas vocês têm? Os que clamam por democracia nada são, diante de acampamentos criminosos, em que a suspeita de apoio dos ocupantes dos estabelecimentos militares está por ser totalmente apurada. Ou seja, o que deveria ser posto a serviço da sociedade e da democracia que a muito custo há de ser conquistada, torna-se instrumento de repressão e intimidação. Por isso, o tratamento dispensado por investigadores e julgadores, quando envolvido algum militar em ações como o terrorismo agora contido, revoga o artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
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