Sentimentos humanos reprimidos , como a água sempre encontrarão o canal por onde se tornarão ostensivos. Por mais que o indivíduo tente esconde-los, cedo ou tarde acabam por vir à tona. A inveja, por exemplo, mesmo gerando e fazendo crescer o ódio do reprimido, um dia desabrocha, qual girassol fartamente iluminado. Quanto maior o ódio aparente, maior a frustração por não alcançar a posição do invejado. Este torna-se destinatário do mau sentimento do outro, não apenas pela comparação que o invejoso estabelece entre ele mesmo e o que gostaria de ver no espelho em que se mira. Pesa aí, sobretudo, a evidência a que tenta fugir, sem logra-lo. O reconhecimento doloroso da inferioridade de que é portador, comparado ao seu objeto de admiração profunda e inconsciente. Os meios de comunicação, mesmo aqueles que costumam disseminar de preferência fake-news, reproduzem hoje imagem que correu mundo e transformou em mito talvez a figura histórica mais importante do século XX. A imagem de hoje, tomada em um hospital luxuoso, liga-se a circunstâncias opostas, relativamente às razões (razão, seria mais adequado dizer – a inveja) que a inspiram, às da imagem original. A que imortalizou um médico argentino, assassinado na selva boliviana, em 1967. Transformado em local de visitação, memória e reverência de um defensor do direito dos povos, o local em que repousava o corpo de Che Guevara teve ali lançada a semente do último dos heróis que se tornaram mito. Discutir a validade, concordar ou discordar dessa forma como é tratado Ernesto Guevara de la Serna não faz sentido. Entender as razões de seu prestígio entre os povos, sim, vem ao caso. A consideração dos contemporâneos e pósteros, e só ela, atribui essa condição ao que a merece. Lamentável, todavia, ver a mal-arranjada tentativa de transformar frustração e inveja em celebração, à sombra de quase seiscentos mil cadáveres, muitos tirados do convívio dos humanos por atos de pelos quais o pretenso e frustrado e invejoso herói ostenta acentuado grau de responsabilidade. Na foto de Che Guevara inerte, não faltaram os que viram semelhança com imagem assaz conhecida do andarilho de Nazaré. Mais numerosos, ainda, os que assemelham a pregação itinerante do homem que encontrava lugar para a ternura, mesmo quando era o som da artilharia inimiga que ele ouvia, com o outro, que no templo expulsava os vendilhões. O templo não é o mesmo, nem são os mesmos estes tempos. Diferentes, sobretudo, são os homens. Uns, de estirpe superior. Outros, condenados a descrever trajetória própria aos vermes e répteis. Para estes, o espelho faz mais mal que a Narciso. E a inveja não resulta em mais que confissão de inferioridade.
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