Hipocrisia, não mais

Repito-me: se há unanimidade a respeito de qualquer que seja o problema, é sábio imaginar que tal problema logo será definitivamente resolvido. Quando isso não ocorre, não há como fugir à constatação de que muito da hostilidade ou da indignação revelada é pura hipocrisia. Um dos problemas que mais incomodam a maioria da sociedade tem a ver com a produção, comércio e uso das drogas ilícitas. A repercussão desse ciclo sobre a sociedade pode ser medida pela perda de qualidade de vida de multidão de usuários, da dissolução de numerosas famílias, das despesas de ordem médica e sanitária exigidas do Erário. O que significa dizer da penalização de todos, qualquer a distância em que se mantenham do epicentro do fenômeno. As manifestações de autoridades, especialistas e cidadãos detentores de influência sobre parcelas da população sugerem condenação unívoca: as drogas são maléficas e devem ser reprimidas permanente e rigorosamente. No entanto, não diminui o número dos usuários, nem se fazem menores as quantidades de drogas produzidas. Parte delas, apreendida em operações arriscadas, em que os investigadores muitas vezes perdem a própria vida. Os interessados no negócio tratam de defender seus territórios, às vezes em condições favoráveis em relação aos agentes públicos. É maior a preocupação dos brasileiros, desde que se soube de um avião integrado a uma comissão presidencial em viagem ao exterior. A ousadia do tráfico é tamanha, que um avião da FAB foi usado para levar cocaína que serviria aos usuários europeus. Depois, surgiu a suspeita de que pelo menos 16 outros voos oficiais teriam prestado o mesmo serviço aos traficantes. Mais recente, a descoberta do furto de armas de um arsenal do Exército, na região metropolitana de São Paulo, escancarou a extensão e o grau com que o tráfico de drogas se opera. Meios de transporte e armas, portanto, não têm faltado ao crime organizado. Nem estão acima de qualquer suspeita os servidores pagos pelos cofres oficiais. Como a confirmar que a primeira coisa a eliminar é a hipocrisia, talvez a mais fiel e dedicada aliada do tráfico de drogas e do crime organizado.