Parecem-me enviesadas certas interpretações dadas às perspectivas de nossa economia. Maior seja o esforço de alguns dos comentaristas por destacar suposta tendência socializante de Lula, esse tipo de interpretação desmente a reivindicada soberania da técnica. Nada mais que fiel obediência à ideologia a que se vinculam ou a que servem. Do outro lado estão os que veem absoluto apego de Lula aos padrões do neoliberalismo, mitigado por algumas medidas que não têm, nem a curto nem a longo prazos, a capacidade de promover alterações substanciais na sociedade brasileira. Todos fingem ignorar quantas vezes Lula rejeitou o rótulo de esquerdista. Outros desdenham da recusa dele em ir para o Partido Comunista Brasileiro, convidado por seu irmão, filiado à legenda. Também é necessário lembrar que a maior característica de Lula é a capacidade de dialogar e chegar a resultados que reduzem a luta de classes. Quando líder operário, ele logrou supostas vitórias, sempre que o patronato entendia ampliar seus ganhos, cedendo tão pouco. E os trabalhadores, condenados à exploração desenfreada e ameaçados de ter perdidos alguns dos seus direitos, acabavam também por diminuir sua resistência. Lula, portanto, fundou sua liderança na capacidade de desaquecer a luta de classes. Por menos que isso pareça, ainda é assim que ele atua. Reconhecer isso não diminui suas virtudes, nem o retira do rol dos grandes estadistas vivos. Apenas ajuda a compreender as hesitações em que tem incorrido, especialmente quando é posta em risco a habilidade política por todos reconhecida. Para governar, depois de uma renhida disputa eleitoral, agravada pela disposição golpista dos derrotados, como garantir a aprovação de projetos que transformariam as promessas de campanha em realidade? Ou seja, como constituir maioria no Congresso? Lá se instala talvez o maior problema de nossa claudicante democracia. Em especial na Câmara dos Deputados, o sentimento que o ex-Presidente Eduardo Cunha mobilizou contra Dilma Rousseff marca forte presença, e vigoroso predomínio. Cunha saiu, mas Lira não faz diferente. O Presidente da República, assim, passou a refém do Presidente da Câmara. Na população, a queixa maior e mais agressiva sempre vem daqueles que votaram nos candidatos que integram o centrão, essa excrescência política inaceitável. Muitos, em segundo, terceiro ou mais repetitivo mandato; alguns outros, empurrados pela onda malsã, o tsunami político de 2018, arrasador. Todo o talento político de Lula, toda a intenção de reduzir a desigualdade, ficam retidos por essas peculiaridades e impedem que ele faça de cada brasileiro um consumidor, menos que um cidadão. Como prega a melhor doutrina neoliberal. Melhor isso, porém, que ver o Brasil retornar ao mapa da fome, que um dos governos anteriores de Lula superou. Repito o que escrevi em outra oportunidade. Lula deve buscar gente nos partidos políticos, se deseja de fato dispor de maioria no Congresso. Deve fazê-lo, no entanto, segundo certos limites, espécie de termos de referência, tão comuns na administração pública. Um exemplo: o cargo será ocupado por pessoa indicada pelo partido A ou B, obediente a certos aspectos, que a enunciação a seguir especifica, em caráter meramente exemplificativo: o candidato não pode ser objeto de matéria sub judice, em qualquer instância do Poder Judiciário; também não vale indicar alguém que tem defendido a ditadura e a tem reivindicado; o partido interessado propõe três nomes, ficando a critério do Presidente fazer a escolha de um deles. Uma vantagem para a liderança do partido é ter Lula como corresponsável pela escolha. O caso de Juscelino é bom exemplo de como não devem ser escolhidos os ocupantes de postos públicos. Uma coisa não pode ser esquecida: no Congresso não há um só que não tenha recebido votos de muitos que hoje fingem não gotaer do centrão.
Habilidades não contêm o centrão
Atualizado: 11 de set. de 2023
A questão política , infelizmente, atrela Lula e seu governo ao atraso neoliberal