Guerra inglória
- Professor Seráfico
- 25 de abr.
- 2 min de leitura
Desde que acordei para o mundo da política e dos negócios, firmei conceitos que a vida prolongada só dá razões para consolidarem-se. De tanto apreciar as cenas e o cenário, cheguei ao ponto em que é possível formular certas hipóteses, algumas vigorosamente comprovadas, outras merecedoras de alterações; não faltam as que se revelaram meros equívocos. É assim a vida, penso que para todas as pessoas. Sem descartar aquelas que nunca colocaram em dúvida nada do que viram, porque pensar pode gerar consequências desagradáveis. Há, porém, os que desejam saber sobre si mesmos, as razões por que vieram à luz e qual a razão de aqui estarem e seu destino. Dentre os fenômenos sobre os quais tenho longa e profundamente refletido, há o que diz respeito às formas como o ser humano – e seus assemelhados, porque bípedes – organizam sua vida e suas relações interpessoais. É óbvio que as formas de governo não me interessaram porque passei por um curso de Direito, apenas uma fonte de dúvidas e curiosidade, desde que fui inscrito no rol dos eleitores brasileiros. Das disciplinas do bacharelado, as que correspondiam ao ordenamento político e jurídico do País foram as que mais me despertaram o apetite pelo conhecimento. A partir do Direito Constitucional e da Teoria Geral do Estado, as especialidades próprias do Direito Público foram as que mais me atraíram e chamaram a atenção. Época em que vigia a Constituição de 1946, mesmo os professores mais à direita do espectro político e ideológico não se antepunham à nossa vontade de saber. Penso até que eles reconheciam em nós, na nossa geração, o desejo sincero de mudar o mundo. Pois do clima democrático de que desfrutamos, de 1961 até o primeiro trimestre de 1964, resultaram algumas impressões, primeiro marcadas em nossa memória. Depois, consolidadas ao longo dos anos. Uma delas, o caráter privado do estado brasileiro. De tal forma e com tamanhas avidez e cobiça o aparelho estatal foi assediado, que acabou refém dos interesses privados. Os dias que correm tornam ainda mais firme essa percepção, surgida quando mal déramos os primeiros passos do curso de bacharelado em Direito. Hoje, mais que ontem, não faltam fenômenos de que não se pode suspeitar, para ratificar e dar validade às nossas suspeitas. Que agora ultrapassam essa fase duvidosa e se inscrevem dentre os costumes e práticas da política nacional. O primeiro exemplo, dou-o, mostrando o hábito da homenagem gratuita, como se a república não fosse mais que uma expressão meramente ornamental. Dá-se o nome de pessoas ligadas à família dos mandatários por tempo certo, a esta ou aquela peça do patrimônio coletivo. Como se ainda vivêssemos nas capitanias hereditárias. Não ficam nisso as demonstrações de absoluta indiferença e deslavado desrespeito, em relação aos cidadãos e seus legítimos direitos. Veja-se, ainda agora, um prefeito de capital, postulando na Justiça a majoração das tarifas de ônibus. É como se, na guerra, o comandante decidisse eliminar seus soldados, favorecendo as forças inimigas. Tudo, ao abrigo de interesses que tornam mais próximos os transitórios governantes dos que buscam benefícios de toda ordem, à revelia – para não dizer contra – dos anseios, necessidades e sonhos dos cidadãos. Kafka, mais que Freud, talvez explicasse isso com melhor forma. E de maneira convincente.
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