artigo do sociólogo e professor (UFRJ) José Luís Fiori traz interessante comentário acerca da guerra. Com lúcida percepção e a serenidade costumeira, Fiori ajuda a compreender o cenário da guerra que se trava entre a Rússia e a Ucrânia. Sem engajamento em algum dos lados, o professor presta serviço à sociedade humana, tanto pela distância guardada em relação aos oponentes e seus respectivos apoiadores, quanto pela fundamentação com que aborda a questão. Não sendo atrelado aos interesses de nenhuma das nações, o sociólogo revela o que nem todos os estudiosos têm percebido com a devida sensibilidade. No chamado teatro de operações da guerra não estão todos os maiores interessados nela. Se, de um lado, a Rússia é movida por sentir-se ameaçada, o inimigo serve a interesses que estão fora do continente europeu, onde ambos os contendores se localizam. Não que essa diferença apague o autoritarismo de Putin ou o desespero devido à perda de importância de seu país no cenário internacional. Mesmo detentora de poder atômico, a Rússia já não controla muitos dos países que constituíram a URSS. A emergência da China, prestes a tornar-se a nação mais rica do Planeta, faz Putin depender de Xi Ji Ping. A ascensão da pátria de Mao Tse Tung também preocupa e atrai os Estados Unidos da América do Norte para o conflito. O impedimento de expandir sua interferência através do braço armado que se chama OTAN, valendo-se da entrada da Ucrânia, enfraquece os donos do Mundo. Além disso, pode estimular outros países-membros dessa organização a abandoná-la. Mais cético que se possa ser, isso se acrescentará aos cada dia mais frequentes sinais de declínio do império que resta sobre a Terra.
No texto (O projeto cosmopolita, pacifista e humanitário dos anos 90 atropelados pelo poder dos Estados Unidos), o autor faz referência ao Tratado de Westfalia, na metade do século XVII, que garantiu, mais que a paz, apenas trégua que durou quase três séculos. No período, a Grã-Bretanha, senhora do Mundo, envolveu-se em uma guerra a cada três anos. O fim da Primeira Grande Guerra (1919) iniciou novo período de trégua. De lá para cá, ocorreu o segundo grande conflito armado, cujas consequências registram a guerra fria que sucedeu o Tratado de Yalta (1945), em cuja sucessão se inscrevem conflitos parciais, já sob a batuta dos novos donos do Mundo, os Estados Unidos da América do Norte. Importante atentar para oportuno registro, revelador da presença dos síndicos do Universo, que só nos anos 1990 promoveram 24 intervenções militares em território estrangeiro, chegando à marca de 24 delas só nos 22 anos deste século. Nesse período, 100.000 bombardeios foram despejados sobre cidades mundo afora, mais de 26 mil desses artefatos lançados por ordem do ex-Presidente Barack Obama. Esse quadro em que a trégua simboliza o intervalo das partidas de futebol gerou a fundada suspeita de que toda paz até hoje experimentada está sempre grávida de uma nova guerra. Não obstante, José Luís Fiori vê a paz como um desejo de todos os homens...no plano de sua consciência individual e social, uma obrigação moral, um imperativo político e uma utopia ética quase universal. Trata-se, aqui, de uma visão apesar de tudo otimista, pelo menos no que toca a generalização desse sentimento. Mais fácil – penso assim - é constatar a enorme dificuldade de construir a paz supostamente desejada por todos, numa sociedade de classes. Tal sentimento, fundado na experiência de que a História dá conta, mostra a inocuidade da ação de pessoas individualmente generosas e supostamente orientadas por valores realmente humanos, face aos interesses em jogo. Mesmo os interesses que a generosidade esconde. Por isso, a conclusão de Fiori pode ser dita: a busca de uma transcendência moral (torna-se) muito difícil de ser alcançada.
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