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Fila do opróbrio

Já sabia da proposta de alguns afortunados, consistente em convocar ou impor compulsoriamente experiências científicas com os moradores de rua. Também suspeito de certo tipo de caridade, essa forma frequentemente usada para purgar pecados que a Igreja diria mortais. Neste caso, mata-se o remorso...e a vida segue. Tenho dúvidas em classificar qualquer delas mais perversa que a outra. A mesma que dedico à maldade feita de uma só vez, em relação àquela que vem aos bocadinhos. Igual à nenhuma preferência por qualquer dos dois caminhos: matar com um revólver ou com uma caneta. Não se espante, nem surpreenda o leitor, porque canetas também matam, com vantagem para o matador, pelo silêncio que obscurece a compreensão do ato criminoso. Descubro, percorridas quase oito décadas de vida, quanto certos fenômenos naturais fazem emergir de dentro de corações cuja existência ponho em dúvida e de cérebros que suspeito preenchidos cm matéria putrefata, sentimentos que jamais me dei o trabalho de conhecer. A longa fila à porta de um estabelecimento, os seres humanos arriscando-se até a violar o necessário distanciamento social, ansiosos por ganhar uns poucos ossos – confesso, impactou-me, da cabeça aos pés. Talvez um dia a maioria acredite tratar-se de um gesto – o do doador – inspirado por louvável generosidade. Digno de agradecimentos e reverências, até tornar-se rotina. Daí conclusão que penso irrefutável: a miséria moral, se não incomoda os bons como a outra miséria, não gera mais que o asco e o horror. Esses são os sentimentos que me ocorrem, diante da fila dos pega-ossos.

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