
Doce exílio
Não é
o exílio - este exílio
que me incomoda
mais de cinco décadas
deram-me couraça protetora
o espaço agora não é
tão exíguo
não tenho diante dos
olhos
as velas pandas
a vida fluindo
nas águas da baía
do Guajará
- este seu nome
sequer
me chega à vista
o correr
tranquilo preguiçoso
das águas feitas escuras
esconderijo de
sucuris jacarés
botos encantados e
encantadoras encantarias
de um reino
que não sei
desta vez é
diferente
não há jejum
de afeto
nem sede
senão de justiça
solidariedade mundo fraterno
que nem a tragédia faz
construir
traz consigo
exílio presente
a proximidade
sentimento tátil
aos lábios mãos e pele
permitido
ou mitiga solidão
inexistente
na tela de plasma
no visor nos fios
chocados pelo que
vemos ouvimos
há sempre a palavra
(ah, não fosse a palavra
portadora de amor
esperança
fraternidade!)
compensação para o
afastamento
apenas físico
ainda bem!
Neste exílio
não vejo armas
enfeitando paredes
enfeadas
acorda-me o tocar
de dedos na janela cerrada
o toque de corneta
ficou para trás
para sempre
não é de madeira
o chão onde deslizam
pés calçados com
prosaicas sandálias
porque coturnos
não há...
As poucas pessoas
a que mais amo
à frente
partilham o retiro
compulsório
mergulho que nos poderá
fazer melhores
- ou não.