Os governos, qualquer governo, move-se não apenas no sentido de atingir grau razoável de governabilidade, mas também em estender o período em que se manterá no poder. Afinal, querer e poder são os dois verbos mais afins à Política, a não ser que Platão e Maquiavel estejam absolutamente errados. Daí não ser despropositado o esforço por chegar tão alto quanto possível na hierarquia do poder nacional, tanto quanto cuidar para que se prolongue o período de mando. A forma como este se estabelece, contudo, diz do caráter democrático ou autocrático de que se reveste. Se é compreensível o uso das mais diversas formas de cooptação dos adversários, constitui crime o uso de mentiras como base das negociações necessárias. Há, portanto, limites comuns à democracia, de que se incumbem a Constituição dos Estados nacionais e a legislação que lhe dá sequência e impõe obediência. Tais considerações referem-se às preocupações com as mais recentes denúncias contra o Presidente da República, cuja primeira consequência, e talvez a mais grave, seja a criação de uma CPI, de novo no Senado. Todos vimos e ouvimos o teor do telefonema trocado entre o ex-ministro da Educação e sua filha. Quase nada há que possa desmentir a interferência da autoridade maior nos fatos que a conversa telefônica trouxe a público. Antecedentes os há, em profusão e clareza. A obscena reunião, logo sucedida da deserção do juiz que o STF considera parcial Sérgio Moro, em si mesma é a expressão cabal do comprometimento presidencial. Legítima, mas nem sempre cuidadosa quanto aos aspectos morais, constitucionais e legais da quizília, a busca de meios que reduzam os riscos pode ser feita. Deve, até. Mantido, sempre, o estrito respeito às regras da democracia, desde que o acatamento da ordem jurídica e a submissão às determinações do Poder Judiciário sejam a pedra de toque. Observe-se a mobilização consequente à divulgação do telefonema. Detonador do processo, ele pôs em ação autoridades interessadas, de um lado em ver tudo devida e legalmente apurado: do outro, os que só têm a perder, se emergir todo o conteúdo do que a tecnologia telefônica deu anúncio. No primeiro caso, a velocidade com que o senador Randolphe Rodrigues colheu o número de assinaturas necessários à criação da CPI. Da parte do governo, a mobilização de sua base parlamentar, para travar esse processo. Começa a ser divulgada a probabilidade de retirada de assinaturas, diante da suspeita de que a insatisfação de algum(uns) senador (es) no atendimento de seu (s) pleito(s) teria sido a causa do apoio à criação da CPI. O toma-lá-dá-cá de sempre. Nem por isso, mais grave que a renúncia ao papel fundamental de parlamento que mereça respeito. O senador amapaense espera acrescentar às 28 assinaturas já colhidas outras três ou quatro. O que significa jogar com a probabilidade de alguma deserção. Se, contudo, o número for mantido ou ampliado, ao Presidente do Senado cabe o papel de dar curso à efetivação da CPI. Ele o fará? Ou, como o Presidente da Câmara dos Deputados, colocará pesada placa de concreto sobre o pedido de Randolphe e suas quase três dezenas de colegas? Que a CPI, caso venha a funcionar, será um palanque – qual é a dúvida? Ali, como a CPI da covid-19 o revelou, estarão no palanque as duas partes. Cada uma delas exporá suas razões, sob o olhar e os ouvidos atentos da sociedade. Nenhuma oportunidade será melhor que essa, para saber a verdade reclamada. Nada, porém, que prejudique o ordenamento jurídico e político, porque é exatamente no Parlamento que se devem travar as mais importantes batalhas políticas de qualquer nação. Democráticas e sob Estado de Direito, mais ainda!
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