Quase seis décadas depois de criada, a Zona Franca de Manaus ainda parece criança necessitada de que os adultos a tomem pelas mãos e não a deixem cair. Expediente de que já falava Tavares Bastos (1839-1875). Ele era um advogado e político alagoano, que, deputado, representou seu Estado no Segundo Reinado. Ao visitar a Amazônia, o parlamentar liberal defendeu a descentralização política e administrativa, postulando a abertura da navegação do rio Amazonas, inclusive. Mais, chegou a mencionar a dispensa do pagamento de impostos para os que viviam tão afastados do centro das decisões. Da produção, também. Pode-se encontrar, ali, a primeira semente do que brotou só em 1966, quando o porto livre proposto por Pereira de Silva, ao fim aprovado, transformou-se na Zona Franca de Manaus. De lá até aqui, a capital amazonense transformou-se em palco das mais promissoras iniciativas, quanto da mais voraz exploração. Instrumento utilizado como forma de recuperar uma economia que a punha, junto com Belém, como das capitais mais importantes do País, a política econômica advinda do Decreto nº 288/1967 deveria durar 20 anos. É assim que está na sua certidão de nascimento. As justificativas para a exceção em que se constituiria a ZFM, se atendiam aos reclamos da população local, nada tinham a ver com os pretextos dos seus mais aguerridos defensores. Lideranças políticas, intelectuais e econômicas do Amazonas, tanto quanto o empresariado local, desejavam apenas ver-se inseridas na economia do País, perdida a batalha da borracha e praticamente esquecida a Região e, nela Estado do Amazonas, pelo poder central. O ano de 1967, portanto, encerrou seu segundo mês sob as expectativas favoráveis da população. As poucas vozes discordantes, porque mais atentas às alterações da geopolítica mundial, pouca influência tiveram - na criação do projeto, nas ponderações formuladas e, com algumas exceções, nos benefícios que a ZFM trouxe à economia, comparada com os anos de abandono. Não é desprezível mencionar certa descrença manifesta mesmo por lideranças locais, quanto à incapacidade de os próprios amazonenses administrarem a autarquia responsável pela execução do projeto e, até, de negócios que por ele contemplados fossem iniciados. Não há capacidade gerencial, dizia-se. Conduta e expressão propiciadoras de exagerada abertura para os interesses que aqui montaram acampamento. As raras vozes que se ouvissem reclamar a ponderação de fatores cuidadosamente ocultados atraiam para seus autores a pecha de inimigos da Zona Franca. A riqueza se foi construindo, acompanhada de excepcional acumulação, o que tem retrato na realidade vivida pela maioria da população de Manaus. Embora parecesse unânime a concordância com a busca de alternativa ao instrumento único e exclusivo dos negócios incentivados, sempre o desfecho de toda crise ou ameaça de desequilíbrio resultou na prorrogação do prazo de vigência dos incentivos, a muleta de que se valeu a ZFM infante e de que ainda se valerá ela, se a globalização não a matar por inanição. Faltam ainda quase 50 anos, até a expiração do prazo fixado na última prorrogação. Aqui se concentram estabelecimentos industriais facilmente desmontáveis, apenas a confirmação de um capítulo da fé capitalista - o capital não tem alma, nem coração. É verdade que os negócios da ZFM colocam a capital amazonense dentre os 6 maiores PIBs de cidades brasileiras. E elas são mais de 5.500! Não é verdade, porém, que a maioria da população, da capital e do interior do Estado, desfruta de posição pelo menos razoável nos índices de bem-estar e desenvolvimento humano. Verdade é, porém, que Manaus ocupa vergonhosa e constrangedora posição, quando se trata dos índices de violência e de saneamento, para ficarmos apenas nesses dois fatores ligados ao cotidiano das pessoas. Mais recente, dá-se como sendo a capital amazonense aquela em que há mais habitantes de favelas, que em qualquer outra cidade do País. Os festejos pelos resultados econômicos, se não deveríamos ser justos e dizer monetários, ocupam reiteradas manifestações dos beneficiários diretos do enriquecimento. Enquanto isso, as doenças atribuíveis às condições de vida da população recrudescem, a violência prospera, a educação se revela insuficiente, os transportes coletivos impõem sofrimento aos usuários...e por aí vai. Não estou certo de que os ádvenas da primeira hora, os que ensinariam os líderes locais a administrar empresas prósperas ensinaram o que os daqui desejavam (ou fingiam que) aprender. Também não sei se, aprendendo tudo e com alto grau de discernimento, substituíram os primeiros colonizadores pós-1967 à altura. Quem sabe não demorará a ser reivindicada nova prorrogação? Se 60 anos não bastaram, talvez 120 obtenham melhores resultados.
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