José Alcimar de Oliveira*
"Na estrada que é Cora Coralina passam o Brasil velho e o atual, passam as crianças e os miseráveis de hoje. O verso é simples, mas abrange a realidade" (Carlos Drummond de Andrade).
01. 07 de janeiro de 2022. Dia da leitora e do leitor. Vamos nos agarrar em quem se agarra aos livros. Dentre tantas e tantos: Cora Coralina (1889-1985), Carolina Maria de Jesus (1914-1977), Paulo Freire (1921-1997), Darcy Ribeiro (1922-1997). A política educacional brasileira não é bem um paradigma de incentivo à formação de leitoras e leitores. Continua a manter na prisão do analfabetismo cerca de 25 milhões da população acima de cinco anos, com potencial de leitura, portanto.
02. Neste 2022 completamos 200 anos da declarada e sempre interditada independência brasileira. Comemoramos o centenário da Semana de Arte Moderna e o centenário de nascimento de Darcy Ribeiro. Ou Darcy Brasileiro Ribeiro, tal é a força literária e libertária de sua interpretação do Brasil. Desviou-se o quanto pode da morte para concluir seu livro, O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil.
03. Darcy Ribeiro fez a viagem da imanência para a transcendência há 25 anos, a se completar no dia 17 de fevereiro de 2022. O que nos diria este alegre artesão de utopias nesse Brasil a cada dia mais triste e distópico? Quem lê o Brasil de Darcy se alimenta da liberdade da inteligência, da crítica irredenta e da utopia da vontade.
04. Em Cora Coralina, Carolina Maria de Jesus, Paulo Freire e Darcy Ribeiro, entre outras expressões icônicas de um Brasil que nos banha de orgulho, estamos a salvo da ignorância arrogante do poder que alimenta e se alimenta do ódio ao saber. O poder do saber se alimenta do cultivo crítico e fecundo da leitura.
05. Quando se escancaram as portas do acesso e da circulação de armas, a ponto de se converterem em política de Estado, atingimos um patamar culturalmente regressivo e de ostensivo obscurantismo. Quando o governante abre ao povo a porta aos livros favorece em elevada medida a política do desencarceramento. Quem espalha bibliotecas reduz a construção de cárceres.
06. É sabido o gosto de nossa arrivista classe dominante pelo refinado e conspícuo consumo e pela etiqueta e ditos bons modos parisienses. A essa classe parecerá sempre marginal a mais bela definição de Paris nos deixada por Walter Benjamin: um imenso salão de biblioteca atravessado pelo Sena. É mais caro manter prisões do que construir bibliotecas.
07. A gramática do capital odeia bibliotecas e multiplica shopping centers, verdadeiros indicadores da burguesia para medir o padrão cultural de uma cidade. O shopping forma consumidores e consumidoras hostis à leitura e avessos à reflexão. Na interpretação de Adorno, é o sujeito burguês semiculto, que se dedica a conservação de si mesmo sem si mesmo.
*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, segundo vice-presidente da ADUA - Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões e Jaguaribe. No dia da leitora e do leitor, 07 de janeiro do ano da virada de 2022.
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