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Perus de anedota

A experiência é mais exigente de inteligência que da repetição do olhar. Ver a mesma cena por longo período não dá a ninguém a capacidade necessária à boa interpretação da realidade. Para altera-la ou mantê-la. O encontro de virtudes e vícios determina a orientação do indivíduo. Os ambientes de que ele faz parte, em alguns tornando-se protagonista, vai dando consistência às suas preferências, amores e hostilidades. A experiência constrói-se desse encontro, dêmo-nos conta desse permanente embate, ou não. Os desatentos, apenas sobreviventes porque viventes são capazes de fazer a leitura adequada do Mundo e do seu mundo, acabam perdendo a oportunidade de aprender. Aos outros, aqueles para os quais haverá de ser encontrado, cedo ou tarde, o sentido de tudo - da Vida em si, do fato de desfrutarmos dela, dos privilégios e deveres de que somos queiramos ou não, investidos, cabe aprendizado constante. Quando não para alcançar objetivos pessoais, ao menos para ajustar-se à convivência sadia com seus iguais. É verdade que muitos se acham acima de todos os outros. Aí, o pior dos males que o chamado ser inteligente ostenta é o egoísmo. Do meu ponto de vista, pecado ou crime maior não há. Basta olhar-se com olhos atentos a realidade social de que somos, a um só tempo, construtores e pacientes, para constatar a importância de perceber como nos situamos no Planeta. Não me refiro à posição geográfica medida pelos azimutes, nem o pertencimento a pequenos grupos, algumas vezes até se transformando em objetos de nosso autoritarismo, nossa cobiça, nossos interesses pessoais. Preocupa-me avaliar a contribuição que cada um de nós, ser dito humano, traz à convivência pacífica e sadia em qualquer lugar onde moremos. A Terra é, pelo menos por enquanto, o único espaço em que se tem garantida a sobrevivência da nossa espécie, animal como tantas outras. Esse raciocínio nada tem a ver com certo ambientalismo vazio, de que a proliferação de ativo e lucrativo comércio de animais de estimação é o exemplo mais cabal. Nossa estima aos que nos são (ou deveriam ser) semelhantes revelando-se tão menor quanto o exigível para manter a paz na Terra, berço e pátria única de toda a espécie à qual autoatribuímos superioridade sobre todas as demais. No Brasil destes dias em que a chegada aos quase 670 mil mortos pela covid-19 incomoda menos que a disputa por altos cargos públicos, destacam-se personagens que o ficcionista do fantástico e do horror ainda não chegaram perto de desenhar. Dois destes, aproveitando-se da experiência funesta por que todos os brasileiros passamos, podem ilustrar com precisão a quanto levam o egoísmo humano e a absoluta incapacidade de desviar os olhos de si próprios, para enxergar o entorno. Por isso, essas duas trágicas figuras amargam o dissabor de se verem rejeitadas pela maioria dos seus contemporâneos. Porque o objeto de adoração os repeliu, ambos viram cair por terra seus maus desígnios, ao se tornar impossível chegar ao cargo a que seu deus inspirador chegou. O engomadinho que governa São Paulo é o primeiro deles. Esquecido de que alguém já disse impossível enganar todos por muito tempo, muitos por algum tempo e pouquíssimos ou nenhum por todo tempo, João Dória teve a máscara arrancada do rosto. Passou a objeto do jogo toma-lá-dá-cá, afastado definitivamente da rampa do Planalto. O outro, Sérgio Moro viu-se frustrado em todas as tentativas, quando o favorecido por sua parcialidade - desonestidade, portanto - o humilhou e forçou deixar o cargo-pagamento do favor prestado. Depois da trajetória patriótica de servir a uma empresa estrangeira e da negativa de pôr em suas mãos dinheirama que asseguraria viver do suor alheio, se junta ao ex-governador de São Paulo, na galeria dos deuses crepusculares. Talvez possam dizer, como o seu líder e inspirador disse a respeito da morte dos 670.000 brasileiros que só eles mesmos não choram: todos um dia morreremos. Uns, como o peru da anedota, morrem de véspera...


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