CONFISSÃO
- Professor Seráfico
- 28 de mar.
- 6 min de leitura
(Vitória Seráfico / nov. 2019)
Sou católica. Não sei se cristã. Sim, nem sempre são
palavras sinônimas. Cristão é aquele que imita Cristo, praticando
o Bem em todas as suas dimensões, em prol de qualquer pessoa,
em qualquer circunstância. Mas também estou certa de que não
sou católica do IBGE (qual a sua religião? Católica. Aí o
recenseador assinala o X no quadradinho, e acaba a conversa).
Num autojulgamento consciente, creio que - como diz a
terminologia bancária – eu não esteja totalmente no azul, mas
também não tão no vermelho assim. Tenho a convicção, porém,
de que estou muito distante, anos-luz mesmo, da bem-
aventurança. Aliás, nem me arvoro a essa pretensão. Meu cacife
é baixíssimo. Contudo, busco fazer a minha parte, inspirada não
só nos preceitos do Evangelho, mas nos exemplos que recebi de
meus pais. E é pratica que orienta a vida de todos nós, os 9
irmãos.
Meus pais eram pessoas cristãs, sim, pelos exemplos de
vida que davam, na prática diária da justiça, da verdade e,
principalmente, na preocupação com o bem-estar de empregados
e pessoas mais necessitadas. Não eram frequentadores assíduos
de Missas ou celebrações religiosas. Mas acreditavam em Deus,
e testemunhavam isso, no cotidiano.
Papai, ao nascer, foi consagrado a Nossa Senhora de
Nazaré, por quem tinha fervorosa devoção. Mamãe tinha
devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Na juventude, em
Bragança, chegou a ser Filha de Maria.
A noção de Bem e de Mal deve estar clara pra todos nós, pra
que saibamos exatamente quando praticamos um ou outro. Há
várias maneiras de se praticar ambos. Algumas pessoas entendem o
Bem exclusivamente como ajuda financeira, doação disso ou
daquilo etc. E, assim, muita gente confunde caridade com vaidade.
Penso o contrário. Há tantas formas de se fazer o Bem sem meter a
mão no bolso!.. E, principalmente, em silêncio; sem holofotes! Da
mesma forma que o Mal também pode ser praticado em absoluto
silêncio. Ou em manifestações às vezes ruidosas, com objetivo bem
diferente daquilo no que os assistentes estão acreditando.
Na verdade, Bem e Mal podem ser praticados de forma
imperceptível. Ambos brotam do coração.
Numa visão muito pessoal, acho que o Bem é, antes de tudo,
doação de nós mesmos. Eu não tenho só que doar; tenho que me
doar. Como faço isso? De várias maneiras: uma palavra de apoio,
um pequeno favor, um incentivo, um conselho, um sorriso, uma
forma de atenção, o perdão, enfim, qualquer gesto de humanidade.
Um dos meios mais cristãos de se fazer o Bem a alguém é a oração.
Rezar pelos outros, diz a Igreja, é uma atitude de misericórdia.
Quem me orientou rumo à Igreja foi a prima Irene, hoje
prestes a completar 92 anos. É uma das poucas remanescentes da
família Seráfico de Assis Carvalho. Lembro-me, criança, todos os
domingos, Irene me levava para assistir, com ela, à Missa das
10:00 horas, na Basílica de Nazaré. Toda em Latim. Eu achava
lindo. Não entendia coisa alguma, mas adorava: “Dominus
vobiscum!” “Et cum spiritu tuo!”...
Chego a pensar que, à medida que eu crescia, não só as
expressões latinas me encantavam, mas também toda aquela
ambiência que envolvia a celebração: o som do órgão, o coral
(afinado), as mulheres de véu (costume que, infelizmente, perdeu-
se no tempo), a postura discreta das pessoas, detalhes que, a meu
ver – ainda que só com 10 a 12 anos - pareciam tornar o ato mais
solene e, ao mesmo tempo, mais envolvente. Tocava o íntimo de
cada um de nós. Eu já me apercebia disso.
Continuo preferindo este tipo de ambiente, pra qualquer
celebração religiosa. Reconheço o objetivo da Igreja de atrair mais
fiéis, sobretudo os mais jovens, mas não gosto de Missas que
chamo de balacobaco, em que predominam a guitarra estridente, o
barulho, os requebros. O povo todo se sacudindo.
Quanto ao Latim, talvez venha daí o meu interesse em
conhecer melhor a raiz da Língua Portuguesa.
No Curso Ginasial, no IEP, tive a felicidade de me deparar
com esta disciplina, durante os quatro anos. Foi a última turma a ter
este privilégio. A partir de 1961, a matéria foi extinta do currículo.
Na Universidade, escolhi, como matéria optativa, exatamente
Língua Latina, bicho-papão para uns e encantamento pra mim.
Cheguei a pensar, terminando o Curso de Letras, fazer
especialização em Latim. Mas não havia o curso em Belém.
Acredito que ainda não haja. Portanto, eu teria que me afastar, por
alguns anos, da minha mãe, meu pai, minha casa, minha terra,
minha gente. O quê?... Jamais! Então decidi, mesmo, ficar ao lado
dos que me ensinam a língua universal do Amor: minha família. E
não me arrependi.
Voltando à minha catolicidade: então, desde menina,
frequento a igreja. Gosto. Sinto-me bem. Procuro não faltar à
Missa dominical (no sábado, ao meio-dia), à Missa da primeira
sexta-feira de cada mês, fora outros dias que decido assistir
pessoalmente. Pela tevê, todos os dias. Alguns irmãos e irmãs
também frequentam, regularmente, a igreja.
Sou devota de Nossa Senhora de Nazaré, de Jesus Cristo e de
São João Batista, a quem consagro, diariamente, a família Seráfico.
Peço que ele seja, no céu, o João Baptista que Deus nos deu na
Terra, nos apontando o caminho da honradez, da união e da
verdade. Foi o caminho que nosso pai traçou pra todos nós. Além
disso, recorro muito ao Espírito Santo. Rezo o Terço, todos os dias.
Costumo rezar mais pelos outros do que por mim. E sabe que
sou atendida? ... Como sou! A petição só vai no meu nome, se a
coisa estiver preta pro meu lado.
Quando a Fátima sabe que alguém está doente ou enfrentando
alguma dificuldade, com a gaiatice que lhe é peculiar, ela me
pergunta:
-Vitória, ainda tem vaga no teu pacote? Reza por Fulano, que
está assim, assim.
Costumo confessar 4 vezes ao ano: na Páscoa, no meu
aniversário, na quadra nazarena e pelo Natal. Gosto de confessar
cara-a-cara com o padre, não naquele esconderijo dos
confessionários, falando com voz de fuxico. Dou meu jeito e
despejo ao confessor tudo o que considero pecado.
Aliás, é aqui que está o xis da questão. Meu maior pecado é
exatamente este: tenho um conceito muito próprio de pecado. Por
isso, eu digo que, diante do padre, uns, eu confesso. Outros, eu
comunico.
Entendo pecado tudo aquilo que se faz deliberadamente, em
prejuízo de alguém, o mínimo que seja. Pecado não é grande ou
pequeno: é pecado. E nem precisa ser concretizado; basta ser
pensado. Se eu estou tramando, no meu íntimo, alguma coisa que
prejudique, diminua, maltrate, humilhe alguém, já estou pecando,
sim. É o Mal em silêncio.
Pecar também é o orgulho, a ambição desmedida, a indiferença,
a pretensão de ser melhor ou superior que o próximo. Cristo nos
deixou tantos exemplos de humildade. Então, por que nós, tão
pequeninos, agimos exatamente ao contrário dele?
Portanto, é preciso ter esta consciência, pra tentar melhorar,
evitar esta prática maldosa. Isto faz parte do processo de conversão.
Quantas vezes, tomamos atitudes que, embora insignificantes,
nos trazem um certo arrependimento, um desconforto espiritual,
digamos, mesmo que não tenhamos tido a intenção de ferir ou
maltratar alguém? O próprio ofendido nem se deu conta disso; mas
a gente tem consciência de que praticou o mal. Pecamos, sim.
Então, é esta reflexão que nos leva ao propósito de não mais
cometer tais atitudes, não errar. Exatamente pra isso existe o
sacramento da Confissão.
Porém, há outras transgressões que não considero pecado,
não! É ponto de vista, convicção, conceito que estabelecemos sobre
alguma coisa, alguma pessoa etc. (Que, certamente, tem conduta
divergente da aconselhada pelo Evangelho). É muito fácil
encontrarmos isto no nosso caminho.
Ainda que fuja ao Código de Ética do Criador, sou consciente
de que nós, humanos, não resistimos à tentação de julgar. Somos
ótimos julgadores ... dos outros! Aí, vem meu argumento: Deus nos
dotou da capacidade de discernimento, para a usarmos na hora
certa. Ou não?
Claro que sim. Só que o discernimento que Deus nos deu foi,
exatamente, pra julgarmos a nós mesmos. Somente ao Pai do
Céu cabe julgar cada um de nós. Ainda assim, atire a primeira
pedra quem não arrisca ...!
Mas também defendo o seguinte: muitas vezes, julgando o
outro, nós podemos nos corrigir. Talvez a comparação nos leve a
fazer um exame de consciência. Concorda? A certeza de que temos
as mesmas falhas, os mesmos defeitos que reprovamos no nosso
próximo pode (e deve) ser o primeiro passo pra tentarmos a
conversão. Procurar ser diferentes do que fomos até agora. Dá pra
entender? Acho que pra isso é que serve o discernimento de que
somos dotados.
Há poucas semanas, confessei. Dentre as muitas coisas que
contei, houve uma que me levou a começar assim:
- padre, agora eu vou lhe comunicar um fato. Não é pedido de
perdão. Ainda que o senhor faça o Sinal da Cruz me absolvendo,
sairei daqui pensando a mesma coisa, tendo o mesmo ponto de vista
sobre o assunto.
Depois de me ouvir, o padreco falou:
- é, filha, nós, filhos de Deus etc etc.
Falou num capítulo inteiro do Livro do Eclesiastes.
Aí tive a certeza de que, como todo mortal, não sou totalmente
flor-que-se-cheire, nem totalmente pecadora. Tenho a banda falida
mas, pelo menos, um pedacinho aproveitável.
O próprio Jesus diz e aceita que todos somos pecadores.
Valho-me disso quando começo a (re)pensar minha vida. Com base
nas Tábuas da Lei, olho um a um dos Mandamentos e vou ticando
os que eu cumpro, e os que eu, raras vezes, já transgredi. Sabendo o
que estava fazendo. Bem poucos. Mas, repito: uns pecados eu
confesso; outros, eu comunico.
Parece que o saldo é positivo.
V.S. (nov. 2019)
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