Comilança

Escrevo antes do jantar em que o senador Tasso Jereissatti oferecerá arroz de pato aos seus colegas da CPI da covid-19. O velho cacique cearense, anuncia-se, tentará raspar as arestas que ameaçam reduzir o impacto do relatório que Renan Calheiros produziu com fel e inegável inspiração vingativa. Nada que se afaste da realidade dos fatos, como se viram mostrados nas sucessivas sessões do órgão de investigação. Bom professor de Direito Penal encontraria nas sessões, com todas as mentiras e o silêncio-confissão praticados, farto material para um clima completo da disciplina. O pecado do experiente senador emedebista torna-se venial, diante da gravidade que farta documentação e lúcida apreciação certamente ensejarão. Aos demais colegas, sobretudo, alguns deles convertidos à causa dos mortos pela pandemia e suas inconsoláveis famílias. É preciso punir os responsáveis, porque esperar que suas próprias consciências o façam equivaleria à expectativa de ver tartarugas voando. Chama-me a atenção, mais que tudo agora, a forma encontrada pelos políticos e lideranças empresariais para tratar dos problemas que demandam solução - quando esta lhes interessa, de fato. É sempre em torno de mesa farta e comida bem regada, que eles encontram o denominador comum. Entendendo-se aqui a comunidade não mais que a dos grupos reunidos em torno de mesas onde os participantes exercitam a mandíbula mais que qualquer outra parte de sua anatomia. Metaforicamente ou não, morder e comer está sempre presente nesses momentos, após os quais sobra para os ausentes o calvário conhecido. Sem ser a última, a ceia quase nunca anuncia a glória dos cidadãos. Os que pagam a ceia e tudo o mais que a enseja.