top of page

Coalisão ou chantagem

Confesso minha dúvida: vivemos um presidencialismo de coalisão ou, simplesmente, a democracia da chantagem? Ficaria mais fácil admitir as estranhas relações entre Executivo e Legislativo, se as normas do parlamentarismo vigessem no Brasil. Não é esse o caso, tanto quanto não se conhecem parlamentares, constitucionalistas e estudiosos entregues à analise desse fenômeno que torna o chefe do Poder Executivo refém do Presidente da Câmara dos Deputados. A aproximação entre os dois políticos, Lula e Arthur Lira, antes de representar a autonomia e a harmonia entre os poderes por eles representados, está longe de corresponder ao mandamento constitucional. Na verdade, as bases em que se têm dado essas relações revelam aspectos ofensivos ao próprio texto constitucional. Nada traz do menor cheiro ou sabor republicano o entendimento entre os dois. Ao contrário, o entendimento é afastado de qualquer observação ou obediência ao caráter impessoal do múnus público, ainda mais no topo da organização política do País. Esse pouco apego a princípios fundamentais à convivência republicana e democrática, nos planos coletivo e individual, responde em grande medida pela tragédia a que assistimos. Não são os objetivos da República, nem os interesses e problemas coletivos que incumbe ao governo - e não apenas ao Executivo - atender. A pauta das negociações exclui qualquer consideração de ordem pública e, portanto, coletiva, deixando-se enredar em questiúnculas restritas à contemplação dos interesses partidários, como se dos opositores nada pudesse ser cobrado. Fiscalizar as ações do Executivo é prioritário, mas não basta para exaurir todos os deveres que pesam sobre o exercício de mandato parlamentar. Se o conceito de coalisão ou cooptação coincide com o de chantagem, devemos examinar a validade das atuais relações entre os poderes. Alterar suas bases, já se sabe, não apresenta qualquer atrativo para os conservadores. Seria, a rigor, contradizer seus princípios, orientados pela máxima de Lampedusa - mudar tudo, para que tudo fique como está. Entre um simulacro de democracia republicana e um regime de mal disfarçada chantagem - eis o espaço por onde temos transitado.

Posts recentes

Ver tudo
Dráuzio Varella - fiel a Hipócrates

O médico Dráuzio Varella, dos mais destacados dos brasileiros discípulos de Hipócrates, gravou vídeo em que ressalta a importância do SUS...

 
 
 
Desafios de Hugo Mota

Dois desafios dos mais importantes serão levados ao Presidente da Câmara dos Deputados, em futuro bem próximo. O primeiro deles, relativo...

 
 
 
Mortes anunciadas

A virilidade que as armas parecem atribuir aos homens é tese que se vem confirmando. Enquanto os números relativos à violência destacam...

 
 
 

Comments


bottom of page