CASA DA VOVÓ
- Professor Seráfico
- 9 de abr.
- 4 min de leitura
Vitória Seráfico – 2020
Não existe infância feliz que não tenha passado pela
casa da vovó.
Casa da vovó é nosso segundo lar, nosso segundo
aconchego, extensão do afeto e do carinho que temos em
nossa casa. Pelo menos, no meu (nosso) caso.
Íamos com muita frequência à casa de nossa vovó
Maroquinha, mãe do papai. Sobretudo quando morávamos
em Miramar. Nosso ponto na cidade era, exatamente, a
casa dela, na Domingos Marreiros.
Moravam com ela tio Waldomiro, sua mulher,
Idalina, a filha (do primeiro matrimônio) Irene, a tia
Guiomar e o João, nosso irmão. A casa da vovó era, por
assim dizer, o nosso quartel general em Belém. Tudo era
lá que acontecia: Natal, Ano Novo, Círio etc.
Éramos os netos mais novos – os filhos da tia Yayá já
eram adultos. Tia Guiomar era solteira (naquela época, as
solteiras não tinham filhos); tio Cazuza, viúvo, também só
teve uma filha, já adulta naquele tempo. Então, nós, as
nove maravilhas do mundo do papai e da mamãe, éramos
presenças permanentes na casa do Umarizal.
Mesmo sem motivo especial, vez por outra, dois ou
três de nós íamos passar o dia com a vovó.
Jorge e Fátima eram os mais travessos. Formavam
uma dupla da pesada. Então, quando o carro chegava e
saltavam os dois, tia Guiomar dizia logo:
- não, os dois juntos, não! Fica só um!
E lá um dos dois voltava pro carro.
Convém frisar que esta atitude da tia jamais foi
motivo de briga ou confusão entre mamãe e ela. Pelo
contrário, tia Guiomar sempre foi muito estimada pela
cunhada, que sabia, inclusive, do tratamento especial que
cada um de nós recebia em sua casa.
Quando estávamos lá, era grande a despesa da tia
com os ambulantes que passavam na rua. Assim,
ficávamos ansiosos esperando pipoqueiro, cascalheiro, o
amendoim torrado, o vendedor de pupunha e quantos mais
passassem vendendo besteiras – que nos tiravam a
vontade de almoçar. Sem esquecer a sorveteria da
esquina, A Severa, que, invariavelmente, recebia a nossa
visita, a partir das 16:00 horas. O picolé nunca nos faltava.
Enfim, a casa da vovó era nosso segundo paraíso.
Ainda morávamos em Miramar, quando o José
resolveu, como voluntário, entrar no CPOR, tendo em
vista que, no ano seguinte, estaria fazendo Vestibular para
Direito. Com isso, passou a morar na casa da nossa avó,
pela proximidade com o quartel.
No ano seguinte, concluída a construção da nossa
casa, na Boaventura da Silva, ele voltou a morar conosco.
Lindas lembranças temos da casa da vovó.
Tia Guiomar, chapeleira afamada em Belém, sempre
às voltas com os tecidos e as formas. Cada exemplar
arquitetado, eis que nossas cabeças – sobretudo a minha e
a do José - serviam de modelo, pra ver os reparos
necessários.
Carnaval, casamentos, formaturas, desfiles escolares
(na época, os colégios usavam roupas de gala, incluindo
chapéus), tia Guiomar era a profissional procurada por
todos os setores da sociedade. Além disso, trabalhou
dezenas de anos, fazendo toucas para crianças, para a
famosa Casa Guerra.
Belas moças chegaram ao altar, usando a grife
Guiomar Seráfico, prendendo o véu. Assim como
madrinhas de casamento e damas-de-honra. Da mesma
forma, muitas foliãs desfilavam no Baile de Máscaras da
Assembleia, com chapéus criados e confeccionados pela
minha tia-madrinha.
Enquanto ela cuidava das cabeças, Irene, costureira
muito competente, preparava bonitos vestidos de noiva.
Inclusive uma primeira-dama do Pará usou traje feito por
Irene Seraphico.
Eu, geralmente, era testemunha dos momentos da
prova do vestido. (Quem sabe, sonhando com o dia em
que ela faria o meu!...).
Tia Guiomar, quando jovem, era a companheira do
papai nos assustados carnavalescos. Conforme nosso
Sessé (apelido carinhoso que os amigos davam ao papai –
e hoje dado ao Jorge) nos contava, os dois dançavam a
quadra inteira.
Um detalhe: minha tia criava blocos, pra dançarem
nos salões que eles também frequentavam. Papai nos
falava com muita saudade daquele tempo, enfatizando a
criatividade e o bom-gosto da irmã dele. Bonecas de
Saturno, Marujos de Samoa, É do Barulho – alguns que
ele ainda lembrava. Desnecessário dizer que a cabeça dos
foliões ficava a cargo dela.
Não posso deixar de fazer um registro nada
auspicioso:
o último chapéu que minha tia fez foi, exatamente, pra
mim, como madrinha do João, na entrega de espada, do
CPOR. À noite, durante a festa, na casa dela, minha tia foi
acometida de um AVC, que a deixou dez anos numa cama,
até morrer.
Esse chapéu – o primeiro que usei até então – foi
desenhado por ela, com toque de originalidade, único.
Diferente da dezena de chapéus que ela vinha fazendo
para o mesmo evento. Propositadamente, ela me queria
diferente de todas as outras mulheres. E conseguiu. Eu
tinha 15 anos.
Tia Guiomar era a irmã-amiga por excelência. Atenta
às necessidades de toda a família, nunca nos deixou faltar
nada. Ela e o papai eram os que desfrutavam de situação
financeira melhor, embora ambos enfrentassem também
suas dificuldades. Mas um ajudava o outro. Sempre. Nada
faltava a qualquer tio ou a quem por lá estivesse.
Esta lição de vida, este exemplo, papai transmitiu aos
seus nove filhos. E mamãe o ajudava na nobre missão.
Até hoje, tudo entre nós é compartilhado; a alegria e a
tristeza. A conquista de um contagia a todos; o problema
de outro é problema também de todos. Se o assunto é festa
na família, todos colaboram, conforme suas
possibilidades. Alguma preocupação com a saúde, lá
estamos reunidos, tentando ajudar no possível. E assim,
vamos procurando sempre seguir o caminho que nossos
pais nos ensinaram.
Vem deles o hábito de nos reunirmos no almoço
dominical, em minha casa. Hoje, pelo menos num
domingo do mês, juntamos toda a macacada no quartel
general (Vitória buffet). Afora outras oportunidades
durante o ano (Dia das Mães, dos Pais, Círio etc).
Talvez por isso, quem sabe, com muito orgulho,
humildade e felicidade, costumo dizer, agradecendo a
Deus: minha família é a prova inconteste de que a união
faz a força, sim!
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(V.S. março / 2020)
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