Pergunte-se a cada um o que será servido à mesa do Natal – para aqueles a que ainda não falta a comida. Além dos outros, para os quais a noite de Natal não consegue sequer trazer esperanças. De uns se ouvirá a descrição de farto cardápio, integrado pelos melhores e mais caros vinhos e champanhes. Nem estarão ausentes pratos preparados pelos cozinheiros empertigados em seus dólmans elegantes, servidos com solenidade que não dispensa a presença de garçons postos em gravatinhas borboleta. Porque ainda os há. No extremo do quadro desigual que os produtores do fenômeno se negam a admitir, estarão algumas famílias, cada dia mais numerosas, catando restos nas latas de lixo. No dia seguinte, após a ressaca bem curtida, as tripas bem forradas, grupos percorrerão alguns locais da periferia da cidade (se não mandarem seus prepostos), esbanjando generosidade. Tem sido essa a prática dos que se confessam crentes em um deus, desde que a divindade lhes assegure mesa farta e o direito de tirar dos outros o suor que faz daqueles crescentemente ricos e poderosos. A fome, destituída de qualquer pudor, admite e às vezes aplaude as louvaminhas aos perversos. Deles lhes pode cair no prato a sobra que assegurará sua sobrevivência animal, uma vez desumanizados pelos generosos doadores. Como seria bom ter motivos para pintar outro quadro, aquele em que sobressairiam as cores da solidariedade e da fraternidade, realização do pretexto assaz utilizado, jamais defendido com sinceridade ou executado com determinação: todos somos humanos, irmãos em nossa humanidade! Nossas mesas e nossa fome são desiguais. Menos iguais, ainda, nossa disposição para transpor dos limites do discurso o que nossas ações têm produzido. As oportunidades negadas aos que perdem empregos, morrem por sentença oculta dos governantes, mantêm-se analfabetos, vivem nas ruas, são vítimas de toda sorte de violência – fecham suas portas, quando não as fazem guarnecer de vigilantes armados. Os pobres são os inimigos, e o juiz que concede honrarias aos delinquentes maiores é o mesmo que condena e suprime a liberdade dos que têm fome. A morte, portanto, é o único item posto no prato dos miseráveis. Às vezes, fazendo faltar a vacina salvadora; às vezes aconselhando o uso de venenos ao invés de remédios. Muito por causa disso, o menino nascido em manjedoura , na cidade de Belém da Judeia, foi posto na cruz. E acabou sendo usado, como se sabe hoje, para construir as cruzes suportadas pelos mais fracos, quando acontece de não lhes estar ornando as covas para onde o ódio e o egoísmo os mandaram.
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