
Aprendizado, memória, amor
O menino não tinha mais que quatro anos. Filho de uma doméstica e um funcionário público, cuidava dele um médico particular. Era tempo em que o servidor público desfrutava, primeiro do respeito e do prestígio dos concidadãos. Isso assegurava aos pais da categoria propiciar assistência médica à família por clínico particular. Nem era tão extensa a rede de prestação de serviços médicos oficial. Mesmo assim, o menino precisava frequentemente de atenção dos profissionais de saúde. Numa delas, o assistente habitual recusou-se a atender a criança enferma. Véspera do dia de São João, o médico não fugiria ao programa anual: participar de festa na casa de amigos, levando com ele a mulher e os filhos. Que o pequeno paciente esperasse. No dia seguinte seria visitado. A não ser pelo discípulo de Hipócrates, as coisas aconteceram diferente. Os pais chamaram outro médico para atender o filho doente. Nunca mais o antigo, competente e respeitado profissional entrou na casa daquela família. O outro deu conta do recado. O menino hoje beira os oitenta anos e vez por outra faz outras pessoas conhecerem algum pedaço de sua vida. Como este texto revela. Encanecido, ele desde muito cedo aprendeu como o cuidado inoportuno pode matar. Também quanto o amor encontra solução para problema que se pensa insolúvel. E como a memória ajuda a entender o presente e o que dele pode advir.