Exemplar a chegada do Secretário de Audiovisual da Secretaria de Cultura à sede da Cinemateca Nacional, em São Paulo. Acompanhavam-no, não cineastas, diretores, roteiristas, atrizes e autores, críticos de cinema e historiadores ou mesmo, aficionados do que se chamou a sétima arte. Da comitiva que recebeu as chaves do imóvel onde um dia trabalhou o amazonense Cosme Ferreira Neto, foram integrantes membros da Polícia Federal. O exemplo – aqui explicito o registrado nas primeiras linhas – mais claro, contundente, nefasto, de como a cultura é tratada pelo governo. Não por coincidência, como são tratados todos os demais assuntos que reduzem a ignorância e enriquecem o convívio social de seres humanos. Admito que alguns considerem inócuo este comentário, até despropositado. Poderão jogar na minha cara o desprezo, quando não a zombaria, com que vem sendo conduzido o enfrentamento de pandemia que já roubou vidas como nenhuma outra tragédia que nos tenha vitimado.
Neste caso, porém, a tomada do Ministério da Saúde pela tropa encontrou pretextos canhestramente apresentados. Agora, a disposição de agredir a cultura e demonstrar cabalmente sua ojeriza a tudo o que ela produz e representa, é inequívoca. Ainda que o fato não surpreenda e se ajuste às práticas necropolíticas reiteradas, a quase sutil agressividade de que se reveste diz muito. As autoridades dispensam-se, já, de justifica-las.
Prever a redução do impressionante acervo mantido na Cinemateca soa a truísmo. Dentre as 250 milhões de peças lá depositadas há muitos registros cujo conhecimento ajuda a compreender nossa trajetória e quais os fundamentos em que se assentam muitos dos costumes e preconceitos rejeitados pelo que chamamos civilização. No entanto, raivosasmenre conservados. Pior, aprofundados. assim são nossas elites, conservadoras sempre do pior, jamais do que avança no tempo e se propõe encontrar o futuro.
Talvez sejamos forçados agora a pôr em discussão as diferenças entre o Estado Democrático de Direito e o Estado Policial. E escolher dentre eles qual nos parece melhor. Estaremos escolhendo, também, a que classe de animais pertencemos.
Comments