top of page

AMAZÔNIA, FILOSOFIA E CATÁSTROFE EM SETE NOTAS MARGINAIS afinsophia 19/12/2024

Foto do escritor: Professor SeráficoProfessor Seráfico

José Alcimar de Oliveira*


Mas não nos regozijemos demasiadamente em face dessas vitórias humanas sobre a natureza. A cada uma dessas vitórias humanas, ela exerce a sua vingança (F. Engels).

01. A vingança contra a brutalidade da catástrofe ambiental em curso virá das próprias entranhas da natureza da Amazônia, agredida, saqueada e predada pela venalidade do sistema do capital. Como a natureza é o nosso corpo inorgânico (conferir os Manuscritos do Mouro de Trier), a vingança da natureza recairá indiferentemente sobre todos os seres sociais. Se é verdade que natura non facit saltus, menos ainda pode anistiar seus abusadores. A hipoteca recairá sobre inocentes e culpados.

02. O ser natural da Amazônia voltar-se-á com fúria a mais desmedida contra o sistema de predação promovido pela ganância capitalista e converterá em cinzas o lucro assassino e feitor do ecocídio que se pretendia perpetuar acima da vida. Se houver uma palavra final, será inevitavelmente a do valor de uso, jamais a do valor de troca. Toda a cultura produzida pelo trabalho do ser social, por mais sofisticada que seja, desde a dita inteligência artificial do mundo digital, tudo voltará ao domínio do ser natural.

03. A fumaça das queimadas criminosas que cobrem a imensa planície amazônica, numa espécie de luta de classes de modalidade reversa, já começa a subir os Alpes sem permissão da eficiente vigilância fronteiriça de países que se julgam neutros e acima do bem e do mal. Como as esquerdas estão sem rumo e em ritmo de autofagocitose ideológica, o protagonismo da Cabanagem Amazônica do século XXI caberá às forças da natureza. Água, Ar, Terra e Fogo retomarão a dialética natural e heraclítica.

04. Por força do aquecimento global (que desconhece fronteiras e é indiferente a estatutos de neutralidade política) as belas geleiras alpinas, reservadas para o deleite conspícuo das classes dominantes, já estão em fase de irreversível derretimento. Sob a ordem do capital insano as cinzas das queimadas criminosas da floresta amazônica salpicarão a nívea brancura do paraíso condominial da autocracia burguesa. Nuvens cinzentas tornarão fronteiriças Basileia (na Suíça) e Brasileia (na Amazônia).

05. Não haverá água limpa para a ablução das mãos invisíveis do mercado, invariavelmente sempre sujas de sangue, cuja moeda de troca avilta o valor da vida e converte o trabalho da classe trabalhadora na mais venal mercadoria. Segundo Kant, quando tudo tem preço não há espaço para a dignidade. Por falta de ação humana diante do imperativo criminoso do valor de troca a natureza dá o troco e entra em irreversível estado de vingança. Que direitos pode esperar a Amazônia do Contrato Natural capitalista?

06. Vem do genial Walter Benjamin a tese de que o capitalismo não morrerá de morte natural e que toda a natureza pôr-se-ia em lamento se lhe fosse concedido o poder da linguagem. Tenha ou não ouvidos a insana cultura capitalista, a natureza já começou a falar por gritos e a converter em códigos e sinais materiais de vingança natural o regime de morte que a arrogância da cultura imaginou impor à sua milenar existência. A vitória final será da natureza, que subsistirá à cultura.

07. O que o insustentável e predatório modo de produção capitalista, com seu padrão de vida consumista e perdulário, agregou ou pode agregar à vida do ser natural da Amazônia? Como escreve Ailton Krenak, a vida (natural e humana) não é útil. Não há comensurabilidade possível entre o regime de simbiose do mundo natural e o parasitismo inerente ao pragmatismo capitalista. A máquina do capital não tem freio de mão e diminuem a cada dia as possibilidades do ser humano desviar-se do abismo.

_________________________________________________________________________________

*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo heterodoxo e sem cátedra, segundo vice-presidente da ADUA – Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões (em Bela Vista, Manacapuru, AM) e Jaguaribe (no Alto da Catinguinha, Jaguaruana, CE). Em Manaus, AM, dezembro de 2024.


0 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Agradecimento à Bispa Mariann Edgar Budde

A Frente Mulheres de Fé por Direitos e Justiça enviou uma carta de agradecimento e reconhecimento à bispa anglicana Mariann Edgar Budde,...

É urgente retomar a esperança

Por Ana Hollanda, Roberto Amaral, José Gomes Temporão, Luiz Eduardo Soares, Manuel Domingos Neto e Gilberto...

Trump e o absolutismo pós-moderno

Marcelo Seráfico O exercício do poder de Estado é algo que se aprende; como tudo na vida que se queira dominar, implica disciplina. Essa...

Commentaires


bottom of page