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A eternização do passado

Mal me dera conta de estar no mundo, soube das maldades atribuídas ao comunismo. Famílias que moravam em casas construídas com tanto sacrifício seriam expulsas, para que nelas se instalassem comissariados do povo. A melhor hipótese seria nelas acomodar mais de uma família, não raro, grupos familiares desconhecidos uns dos outros. Em síntese: à residência era dado o caráter de bem de produção, aqueles que os comunistas no passado desejavam ver sob o controle do Estado. Vê-se, portanto, que a mentira tão disseminada hoje, de novo só tem o vocábulo inglês a qualifica-lo. É também daquele tempo a denúncia de que comunistas comem criancinhas. Neste caso, os detratores aproveitavam e punham no mesmo saco os ciganos e os judeus, vítimas seculares de toda sorte de preconceito. Deles se dizia serem ladrões, assassinos, usurários, tudo mais quanto cabe nas mentes poluídas pelo fanatismo. Todas essas manifestações da ignorância, do preconceito e do ódio humano ainda estão presentes no século XXI, desta vez em escala global. Basta passar a vista pelas mais distantes e mais distintas regiões deste infelicitado planeta. A rigor, bem seria necessário levar nosso olhar para outros continentes ou países. Vivemos estes turbulentos tempos submetidos à mentira, favorecida em sua circulação, ampliada e acelerada pelos mais modernos meios de comunicação. Os valores sobre os quais as mensagens são formuladas e se infiltram onde os humanos se reúnem não são diferentes, nem menos danosos do que um dia o foram. Trata-se, hoje como ontem, de apropriar-se do que a natureza proporciona a toda a sociedade humana, mais tudo aquilo que a sociedade produz. Sem que sequer seja considerado, embora facilmente perceptível, o papel do trabalho na construção da riqueza. Não são os que oferecem sua energia vital, sua força física e intelectual no processo produtivo os que retêm o melhor bocado. Como a justificar sentença que ainda hoje repercute em meus ouvidos, dita por meu pai, eu mal iniciado no alfabeto: o bom bocado, meu filho, não é de quem o faz, mas de quem o come. Não era naqueles longínquos anos dos 1940, não o é ainda hoje. As atrocidades cometidas por Joseph Stalin foram denunciadas por Nikita Krutschov, a glasnost triunfou na URSS, o muro de Berlim foi posto a baixo, o capitalismo se impôs em todo o mundo. Em resumo: a história do homem, desde a Revolução Industrial, confunde-se com a narrativa do desenvolvimento capitalista. Não obstante o avanço tecnológico e o progresso da Ciência, as grandes questões atuais permanecem sendo as mesmas enfrentadas por gerações anteriores. Nem os modos de resolvê-las se terão alterado substancialmente. Não vemos governos, ditos de esquerda ou de direita, tomarem as casas que construímos com tanto sacrifício, mas testemunhamos a expulsão de muitos de nossos irmãos dos lugares em que nasceram, e onde pretendiam ser sepultados. Assistimos às levas cada dia mais numerosas de populações desalojadas de seu habitat original, na continuidade do processo iniciado desde que o primeiro europeu pôs os pés no Continente. Aos ciganos do passado juntam-se outros, produto do empobrecimento crescente, em benefício dos que se apropriam das riquezas por todos produzida. Inventam-se pretextos para defender, formular e implementar políticas que se pensou um dia rendidas à luz da Ciência, abrigadas sob o pálio da mais humana Ética, obedientes a valores humanísticos, praticadas em padrões tecnológicos adequados, respeitado o patrimônio que a Natureza pôs ao nosso alcance. Reforça-se, dia-a-dia, a impressão de que caminhamos tanto, sem sair do lugar. E do tempo, o que é pior

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