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A dança dos mortos

Vai começar a dança dos mortos, não mais embalada por Frédéric Chopin. Agora o ritmo é a toada da indiferença e da desigualdade.

Um morto pra cá, dez pra lá.

Um morto pra cá, trinta pra lá

Nenhum morto pra cá, 64 pra lá.

Dancem, dancem, senhores e senhoras. No ritmo da dança, mais mortos cairão morro a baixo.

Nenhum morto pra cá, 64 pra lá.

Negros, negras, pobres e policiais têm prioridades no motivo da dança.

Enquanto isso, um bonecão se refestela de vinhos e drogas no Copacabana Palace, admirando sua Barbie feita de bosta de ouro.

A dança não pode parar.

O moço vestindo um terno Hermenegildo Zegna tem preferência para empurrar cinco dezenas de jovens de cima do morro.

É só dançar: nenhum pra cá, cinquenta pra lá.

Agora é a hora do governador.

Calma. Ele se engasgou com pedaços de gente durante seu banquete antropofágico. Mas logo poderá dançar a morte de outras dezenas.

Que agora toquem o terceiro movimento da Sonata para piano Nº 2 em si bemol menor, Op. 35, de Frédéric Chopin.

É a vez daquela senhora de vestido Chanel tirar para dançar o senhor vestindo terno William Westmancott.

Dancem agora as mortes de 700 milhões de famintos no mundo. Dancem também pelas crianças que morrem de fome na África.

Dancem, dancem, as mortes não podem parar.

Teremos marcha fúnebre e toadas da morte por toda noite. O governador já autorizou novas operações nos morros e favelas.

Dancem agora pelas mulheres e crianças palestinas mortas pelos sionistas israelenses. Aquele senhor sionista pode tirar aquela dama nazista para dançar.

Enquanto isso, no Amazonas, o governador dança um carimbó comemorando os últimos mortos pelos linchamentos públicos que se repetem toda semana.

Dancem, dancem, mas dancem muito, pois um dia o morro vai descer e a dança será embalada por 64 pra cá, nenhum pra lá.

Dancem, bebam seus vinhos caros e vistam seus trapos de marcas. Essa festa não vai durar a vida toda.


Lúcio Carril

Sociólogo

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