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Ação omissiva

Começo por lembrar o mantra tantas vezes dito - que não me constrange reiterar: governos não erram, apenas escolhem os beneficiários de suas decisões. Refiro-me não à expressão inadequada que confunde o governo com o Poder Executivo. Acompanho o que ocorre na minha aldeia, mais que as ocorrências registradas em outros lugares. Nestes tempos de globalização, todavia, ignora-las seria erro maior ainda que os praticados pelos governos, mundo afora. Erro, aliás que na verdade não o é. O conflito entre garimpeiros e agentes de organizações públicas em Humaitá, e onde quer que seja, vem sendo atribuído à omissão das autoridades e a seu pouco apego pela obediência às leis. Reflete a percepção desavisada e desatenta de cidadãos, de autoridades e de comunicadores desacostumados da prática de ir fundo nas questões. No caso em tela, a profundidade alcançada é quanto baste para extrair o minério desejado, não importam os males causados às populações e ao ambiente em que elas apenas sobrevivem. Constata-se no cotidiano brasileiro o mal-escondido desejo de cada indivíduo ter uma lei que o proteja, numa versão inspirada no que Thomas Hobbes dizia do ser humano: o semelhante é o lobo do outro. Ou seja, a sociedade igualando-se à natureza, não seria mais que o palco onde predadores e presas disputam os recursos necessários à sua própria sobrevivência. É a isso que vimos sendo reduzidos desde que o mercado se esforça por precificar (palavrinha infame!) tudo quanto lhe passe pela frente. Pode ser a sentença judicial, a construção de uma estrada, a virgindade de uma donzela, a aprovação em uma disciplina escolar, um projeto de lei ou a nomeação para cargo público, sem excluir outras peças do farto e malfadado repertório de nossa política. Pois é assim que aparente omissão não deixa os cidadãos atentos hipnotizados ou iludidos. A intervenção do estado, ente impessoal e forma ainda não superada de tentar resolver os conflitos característicos da democracia, é sempre vista como intromissão indevida. Por isso, os que sequer pensam como humanos exigem a redução do tamanho do Estado. Depois, nesse ente abstrato e até aqui necessário, é que vão buscar arrimo para seus apetites e desejos individuais. Daí à captura do estado pelos predadores hobbesianos, é o que se tem testemunhado. A inação talvez seja a forma solerte mais eficaz para ficar com o quinhão maior de qualquer partilha.

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